Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, outubro 17, 2008

Tripulação inadequada Rogério L. Furquim Werneck*

É alvissareiro que o presidente Lula se tenha juntado ao coro mundial de elogios ao primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, pela forma lúcida, pragmática e determinada com que soube liderar a resposta dos governos do G7 ao gigantesco desastre financeiro que ganhou força nas últimas semanas. Com a ação coletiva norte-americana emperrada pelos estertores do governo Bush e com a Europa emaranhada nas dificuldades de seu federalismo, coube a Brown apontar o caminho com o anúncio de um programa pioneiro de recapitalização do sistema financeiro britânico. No desempenho desse papel, Brown fez bom uso da ampla experiência adquirida nos dez anos em que esteve à frente do Tesouro britânico.

A admiração de Lula pela competência de Brown deixa claro que o presidente percebe com clareza a importância crucial de assegurar que a política econômica tenha capacidade de resposta pronta e correta, no quadro de adversidade com que agora se defronta o País. Tal percepção dá a Lula a perspectiva apropriada para detectar um dos principais pontos de vulnerabilidade do Brasil à crise.

Se bem conduzida, a economia brasileira tem condições de enfrentar com relativa segurança os desdobramentos da rápida deterioração do quadro externo deflagrada pela crise. O ciclo político não chega a ser um problema. Com mais de metade do segundo mandato pela frente e respaldado por alto nível de apoio popular, o presidente Lula não padece de dificuldades político-eleitorais que possam entravar - de imediato pelo menos - a capacidade de resposta do governo às dificuldades advindas da crise.

O que, sim, preocupa é a equipe com que conta o governo para enfrentar agora uma realidade econômica bem mais adversa. É mais do que sabido que, no final de março de 2006, quando o ministro Antonio Palocci teve de se afastar do Ministério da Fazenda, Lula se permitiu uma extravagância. Tendo passado mais de três anos sob os rigores que lhe impunha o doutor Palocci, o presidente decidiu que já era tempo de nomear um ministro da Fazenda que jamais lhe dissesse não. O capricho não lhe parecia arriscado. O círculo virtuoso que lhe legara a boa gestão da política econômica do início do primeiro mandato parecia cada vez mais consolidado. E, para qualquer lado que se olhasse, o céu era de brigadeiro.

De início havia quem acreditasse que a extravagância não passaria do final do primeiro mandato. Ledo engano. O ministro já está há mais de dois anos e meio no cargo. A equipe cuidadosamente montada por Antonio Palocci foi pouco a pouco desfeita. E o que hoje se vê é a Fazenda tripulada por um grupo não só menos qualificado, como empenhado em contestar boa parte das idéias que, entre 2003 e 2005, respaldaram a política econômica da qual o governo Lula tanto se beneficiou. Enquanto não tentou inovar e se limitou à operação do piloto automático, a equipe conseguiu manter suas deficiências menos visíveis. Agora já não é possível disfarçar. A equipe parece muito mais fraca do que seria recomendável para permitir ao País enfrentar com segurança a tempestade perfeita desencadeada pelo grave desastre financeiro com que se debate a economia mundial.

Para o governo, a crise implica traumática reversão de expectativas. O cenário de um final de mandato apoteótico, regado a gasto público em farta expansão, desapareceu ao longo das últimas semanas. Por mais efetivas que sejam, as medidas dramáticas que tiveram de ser adotadas na Europa e nos Estados Unidos não serão capazes de impedir forte desaceleração da economia mundial. A questão é quanto tempo levará o governo para entender com clareza que as perspectivas de crescimento da economia brasileira nos próximos dois anos deverão se tornar bem menos promissoras.

Lula precisa agora de um ministro da Fazenda que não lhe deixe ilusões a esse respeito. Que tenha lucidez para compreender a natureza e a dinâmica da crise. Que saiba explorar com segurança os limites do possível. Que não agrave desnecessariamente as dificuldades que terão de ser enfrentadas. Que ajude a conter o oba-oba voluntarista do governo na problemática travessia desse final de mandato. E que tenha envergadura para lhe dizer não quando for necessário.

*Rogério L. Furquim Werneck, economista, doutor pela Universidade Harvard, é professor titular do Departamento de
Economia da PUC-RJ

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