Entrevista:O Estado inteligente

sábado, outubro 25, 2008

A sátira nas eleições americanas

Televisão
Cópia assim nem na China

A comediante Tina Fey é a melhor parte das eleições
americanas, com sua imitação de Sarah Palin, vice de McCain


Marcelo Marthe


Fotos divulgação
TÃO PARECIDAS, TÃO DIFERENTES
Tina Fey (à esq.), imitando Sarah Palin, e a candidata de verdade, no Saturday Night Live (juntas graças a uma montagem): a humorista ganhou uma piada pronta

O republicano John McCain escolheu Sarah Palin para ser sua vice na disputa pela Presidência americana com o seguinte cálculo: jovem, durona e conservadora, a governadora do Alasca lhe traria votos das mulheres e dos evangélicos. Sarah, de fato, cruzou o céu cinzento de McCain como um cometa. E, como um cometa, começou a descrever aquela trajetória inevitável, na descendente, à medida que a campanha tornava aparentes suas limitações. McCain não contava, além disso, com outro potencial latente da companheira de chapa: com seu sotaque interiorano, a postura linha-dura e o despreparo que exibiu nas primeiras entrevistas, Sarah tornou-se um convite à paródia. Para o Saturday Night Live, o humorístico mais popular da TV americana, ela é até mais do que isso: é uma piada pronta. Tina Fey, ex-redatora-chefe e atual colaboradora do programa, tem notável semelhança física com Sarah. A personificação que vem fazendo dela não é apenas hilariante: quando Tina surge em cena com coque, óculos e tailleurzinhos iguais aos de Sarah (o toque final é virar as abas das orelhas, para lhes dar um aspecto de abano), ela é a cereja que faltava no bolo – o bolo da desconstrução da governadora. Para brincar com a postulante a vice, Tina não inventa uma linha. Ela se limita a reproduzir o jeito de falar e as tiradas da própria. No sábado 18, a Sarah original e sua versão satírica trombaram no Saturday Night Live. A participação da candidata em pessoa atraiu 14 milhões de espectadores, o maior ibope do programa em catorze anos. Foi uma amostra da influência do humor na política americana – e de como a liberdade democrática de cutucar a categoria é prezada naquele país.

O INFERNO DA "BARBIE CARIBU"
Sarah Palin ouve absurdos do ator Alec Baldwin (acima) e é "homenageada" com um rap em que um alce de pelúcia é assassinado: não se pode dizer que falta espírito esportivo à governadora
Dana Edelson

No Brasil, a legislação eleitoral proíbe que os candidatos sejam satirizados. Isso explica por que uma atração como o Casseta & Planeta Urgente faz uma cobertura tão morna das eleições municipais, cujo conteúdo cômico é indiscutível (e muito, muito superior ao de Sarah). Nos Estados Unidos, os humoristas podem não só criticar, como também se alinhar. O Saturday Night Live, por exemplo, fecha com os democratas. Mas, como o programa é uma vitrine, políticos de todos os matizes vão lá jogar o jogo e exercitar um traço inspirador que os americanos herdaram dos ingleses: a capacidade, ou o dever, de rir de si mesmos. Apesar das estocadas que leva no SNL, Sarah Palin demonstra que, se não é um ás das relações internacionais, tem inegável espírito esportivo. E como precisa dele: poucos dias depois de sua ida ao programa, os jornais revelaram que o Partido Republicano gastou mais de 150 000 dólares para dar um "banho de loja" na candidata e em sua família, incluindo roupas de grife, cabeleireiro e até um macacão para seu filho de colo, Trig.

Em sua participação no SNL, Sarah começou visivelmente constrangida. Mas engoliu as provocações com linha de profissional. Nos bastidores, foi confundida – de mentirinha – com sua sósia pelo ator Alec Baldwin. "Nossa Tina não pode contracenar com essa mulher horrível. Ela vai contra tudo em que acreditamos", disse ele ao produtor Lorne Michaels, no nariz da governadora, que agüentou firme. Baldwin evocou ainda o apelido dado a Sarah pelos adversários: "Barbie Caribu", em referência ao parente do alce que ela gosta de abater no Alasca. Em outro quadro, Amy Poehler cantou um rap que Sarah teria desistido de interpretar. A letra, claro, era uma fiada de suas frases e opiniões, como aquela com que se credenciou em política externa: "Eu vejo a Rússia da varanda da minha casa". No final da brincadeira, Amy fingiu dar tiros num ator vestido de alce. Aí, mais relaxada, Sarah até arriscou uma dancinha e vários sorrisos. O episódio não tem data para ser exibido no Brasil, mas os quadros com a governadora podem ser vistos no site www.nbc.com/saturday_night_live.

O alvoroço provocado pelas imitações de Sarah Palin no Saturday Night Live reafirma que a sátira política, nos Estados Unidos, não é mera brincadeira. Quando ganha certa amplitude, ela ajuda a fixar a imagem de políticos eleitos ou em campanha – normalmente, a imagem que eles não gostariam de ter. Nesse sentido, o currículo do Saturday não tem rival. "O programa sempre captou o que as pessoas sentem a respeito dos políticos, e isso pode ter um impacto avassalador", disse a VEJA a especialista Barbara Kellerman, da Universidade Harvard. Em 1975, ano em que surgiu, o SNL já disse a que veio, com as zombarias do comediante Chevy Chase ao então presidente Gerald Ford. O republicano era um político íntegro, mas ruim das pernas: caía e tropeçava descendo de aviões ou até caminhando no plano, em linha reta – um hábito que Chase não perdoou. De lá para cá, as paródias evoluíram em caracterização e em contundência. Nos anos 90, Dana Carvey expôs George Bush, pai, como um picolé de chuchu. Nos tempos do escândalo Monica Lewinsky, Darrell Hammond retratou o presidente Bill Clinton como um fanfarrão lascivo. Mais recentemente, Will Ferrell mostrou um George W. Bush tão, bem, abobado quanto George W. Bush.

Nas eleições atuais, as imitações de Barack Obama e de McCain são engraçadas. Mas as mulheres é que brilham. Amy Poehler cravou a essência de Hillary Clinton ao realçar o ressentimento por baixo da máscara de autoconfiança. E há o sucesso sem precedentes de Tina Fey. Aos 38 anos, ela acaba de ganhar o Emmy pela atuação em 30 Rock, programa que só se mantém no ar por sua qualidade (os índices de ibope são uma lástima). Há pouco, várias editoras se engalfinharam pelo direito de publicar um livro seu. A Little, Brown ganhou o leilão por 6 milhões de dólares. Agora, com sua Sarah Palin, Tina provou que de vice não tem nada. É a primeira-dama do showbiz americano. E a mais venenosa.

Galhofa de tradição

Dos anos 70 aos dias atuais, as sátiras dos humoristas do Saturday Night Live aos políticos americanos


COM FAMA DE TRÔPEGO
Chevy Chase (à dir.), na sátira a Gerald Ford que marcou os primórdios do programa: tropeços ridicularizados


NBC/divulgação
PRESIDENTE SEM SAL
Dana Carvey, como George Bush, pai: a paródia mostrou o lado picolé de chuchu do homem que conduziu a Guerra do Golfo


NBC/divulgação
CLINTON VERSUS CLINTON
O então presidente americano (à dir.) encontra sua contraparte cômica (vivida por Darrell Hammond): fanfarrão e lascivo


NBC/divulgação
PEDÁGIO HUMORÍSTICO
O ex-vice-presidente Al Gore, em participação no programa: os políticos não deixam de marcar presença


NBC/divulgação
DUPLA DO BARULHO
George W. Bush (Will Ferrell) e o vice Dick Cheney (Darrell Hammond): trapalhadas na Casa Branca

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