O tema da Constituinte está de volta. Renasceu em silêncio, sem que qualquer proselitismo a seu respeito fosse feito. A liderança do PT na Câmara encaminhou esta semana pedido de informações à biblioteca da Casa sobre a possibilidade jurídica de sua convocação a pretexto de empreender a reforma política.
Não é a primeira vez que isso acontece. Nas anteriores houve reações fortes, dentro do próprio partido, o que fez com que o tema saísse de pauta. Desta vez, à margem das discussões sobre a crise econômica, o Palácio do Planalto instruiu o líder Henrique Fontana para que o retomasse, ao mesmo tempo em que remetia à Casa, por intermédio do ministro da Justiça, Tarso Genro, um anteprojeto de reforma política, feito em parceria com a OAB.
“O governo pretende destravar a reforma política”, explicou o deputado petista Maurício Rands (PE). O deputado Devanir Ribeiro (PT-SP), autor da emenda que permite uma segunda reeleição, exultou, pois vê na iniciativa a possibilidade concreta de garantir um terceiro mandato para Lula.
A reforma, entre outras coisas, trata do financiamento público das campanhas, das cláusulas de barreira (segundo a qual os partidos sem representatividade ficam fora do horário gratuito eleitoral) e estabelece lista fechada para os candidatos.
A diferença entre a tentativa atual e a anterior é que nesta não será necessário convocar um Congresso novo para empreender a reforma. Pode ser feita com o atual, a título de revisão, mas dispensada do rito complexo que esta exige: quórum de três quintos, com votação em dois turnos na Câmara e Senado, o que a inviabiliza.
A revisão em pauta seria unicameral com quórum de dois terços. A oposição reagiu com veemência: “Isso é uma reação ao resultado eleitoral. Ficou claro que Lula, com toda a sua popularidade, não transfere votos”, disse o presidente do PSDB, Sérgio Guerra. “O governo está tão apavorado que parte para atos irresponsáveis como este”, disse o líder do DEM, Rodrigo Maia.
A relação do PT com a atual Constituição é esquizofrênica. Lula a homenageou pela passagem, dia 4, de seus 20 anos de promulgação, assinada pelo partido como ato meramente protocolar, mas sob protestos. Agora, em plena celebração de seu aniversárfio, prepara o seu velório. O PT defende a preservação dos capítulos dos Direitos e Garantias Individuais e do que se refere aos direitos trabalhistas. Mas, no mais, quer mudá-la, sobretudo o capítulo do sistema tributário.
Uma Constituinte convencional poria em risco a parte progressista da Carta. Por isso, imagina-se uma constituinte meia-sola, que se ativesse a capítulos específicos. Países vizinhos, como Equador, Bolívia e Venezuela, impuseram novas constituições, que garantiram novos mandatos e ampliaram as prerrogativas do Poder Executivo e depois submeteram-nas a referendos.
Aqui, teme-se que se esteja querendo o mesmo, o que deixa a oposição de orelha em pé. O alto comando do PT não confirma, nem nega a iniciativa em prol de uma Constituinte.
O líder Henrique Fontana, autor do pedido de informação à Biblioteca da Câmara – curiosamente instruída a negar que tivesse recebido a consulta -, diz apenas que a prioridade do governo para 2009 é, de fato, a reforma política, mas não em especial o terceiro mandato.
Sua primeira reação, ao ser indagado se havia feito o pedido de informações à Biblioteca da Câmara, foi no mínimo estranho: “Não confirmo, nem nego”. Uma vez constatado, admitiu-o (nem seria possível negá-lo) e insistiu que o objetivo é a reforma política –, mas não necessariamente o terceiro mandato.
O que isso significa só tempo dirá. Mas que é estranho é. O PT constata que possui o líder político mais popular do país – Lula -, invencível num embate direto, mas que não transfere votos, haja vista a derrota dos candidatos para os quais os pediu na eleição municipal em curso.
Os favoritos à sua sucessão são todos oposicionistas. Nada fazer significa contemplar passivamente a transferência do poder, o que, embora inerente ao sistema democrático, gera inconformismo no partido. O que fazer? A palavra-chave passou a ser reforma política, dentro do figurino de uma constituinte parcial. Ela só se justificaria mediante ruptura do processo institucional, o que não está em pauta, mas, ao que parece, sempre é possível providenciar. É o que está em pauta.