Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, outubro 09, 2008

Recuperar a confiança CARLOS ALBERTO SARDENBERG

Quando termina a crise? Quando voltar a confiança ao sistema financeiro, ou seja, quando cessar o medo de que o banco ao lado vai quebrar e todos voltarem a emprestar e tomar emprestado.

Bela resposta, mas dá uma explicação que não serve para nada. Se há uma crise de confiança global, é evidente que o problema termina quando voltar a confiança. A questão é saber quando e como isso vai acontecer.

Quando, não dá para dizer.

Como, há algumas pistas.

Pelo mundo afora, governos e bancos centrais estão aplicando um arsenal de medidas para conter o sumiço do crédito.

Algumas têm efeito imediato, como os empréstimos feitos pelos BCs para irrigar os mercados ou os resgates de bancos em dificuldades.

Outras medidas, porém, talvez as mais importantes, ainda não funcionaram na prática. Entre essas, duas das mais importantes.

Uma é o pacote aprovado pelo Congresso americano autorizando o Tesouro a gastar até US$ 700 bilhões na compra de títulos vinculados ao mercado imobiliário e que viraram micos — ou seja, estão na carteira dos bancos, mas não têm valor, porque ninguém quer ficar com eles. Na medida que o Tesouro os comprar e pagar, isso, limpa o balanço dos bancos e dá a eles dinheiro novo, para que voltem a operar.

A segunda medida é o pacote anunciado ontem pelo governo inglês: o Tesouro deles vai comprar ações dos principais bancos. Isso significa um aumento de capital dos bancos, dinheiro novo, limpo de juros. Portanto, aumenta a capacidade dos bancos de fazer novos empréstimos e cobrir perdas de capital.

As duas medidas, embora de estilos diferentes, têm o objetivo de limpar passivos das principais instituições financeiras.

É até interessante que sejam opções diversas, pois a que funcionar melhor pode ser copiada pelos outros.

No primeiro caso, o Tesouro americano fica dono de papéis que hoje não valem nada, mas que podem ter valor quando as coisas voltarem ao normal.

No segundo, o Tesouro inglês, aparentemente, tem garantias melhores, pois ficará dono de parte dos bancos, será acionista de todo o sistema bancário. Supondo que a crise vai passar e os bancos, se não todos pelo menos a maior parte, voltarão ao normal, o governo inglês pode até ganhar dinheiro com a revalorização das ações dos sócios.

Entre parênteses, alguns destacam a questão política. Caramba!, o governo inglês semi-estatizou os bancos! Isso gera dois tipos de comentários. Primeiro: estão vendo como os mercados não funcionam? É melhor acabar logo com esse sistema bancário privado e estatizar as principais instituições. Segundo comentário: as coisas vão piorar, pois o governo está interferindo nos mercados para absorver prejuízos e assim premiando banqueiros e investidores que fizeram a coisa errada.

Mas fica entre parênteses porque esse debate não tem a menor importância, pelo menos no momento. Sistemas financeiros não podem ir ao colapso simplesmente porque se isso acontece não quebram apenas os bancos e os banqueiros, mas toda a atividade econômica real, que não funciona sem crédito.

O primeiro ponto é evitar o colapso e recolocar o sistema financeiro e, pois, a economia real em funcionamento normal.

Depois se vê o que fazer.

Por exemplo, só depois disso tudo o governo inglês precisará decidir o que fazer com as ações que tiver comprado.

Mesmo porque o problema só aparecerá se a situação tiver sido normalizada e as ações estiverem revalorizadas.

Idem para o Tesouro americano. Só quando o mercado se normalizar aparecerá a questão do que fazer com os papéis comprados.

Tudo considerado, a confiança perdida não se reconquista de uma hora para outra.

Deve ser refeita aos poucos, e um ponto essencial é o funcionamento daquelas duas medidas — compra de títulos, compra de ações — nos dois principais centros financeiros, Wall Street e a City londrina.

Quando começarem as compras, se bem-sucedidas, e quando os bancos começarem a trabalhar com o capital novo recebido, esse será o sinal mais importante de que se pode evitar o colapso.

E se não der certo? Governos e BCs inventarão outras coisas. Pois disso não se pode duvidar: o ativismo dos governos e, especialmente, dos bancos centrais, tem sido simplesmente notável.

A ação coordenada de ontem para redução global dos juros — um movimento inédito — mostrou que os BCs podem até perder algumas paradas, mas não vão entregar os pontos.

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