O PMDB emerge das urnas com mais de 18 milhões
de votos, 20% das prefeituras e a decisão de dividir
o poder com o sucessor de Lula, seja ele quem for
Fábio Portela
Montagem com fotos de Guga MatosJC Imagem, Jarbas Oliveira, Daniel Castellano/Gazeta do Povo/AE, Ailton Cruz/AE, Weimer Carvalho/ O Popular/AE e Cristina Gallo/BG Press |
MISCELÂNEA DE VENCEDORES A partir da esquerda, Luizianne Lins, de Fortaleza, Nelsinho Trad, de Campo Grande, João da Costa, do Recife, Beto Richa, de Curitiba, Iris Rezende, de Goiânia, e Cícero Almeida, de Maceió (embaixo): ganharam já no primeiro turno |
VEJA TAMBÉM
|
Se há um partido com razões de sobra para festejar o resultado das eleições municipais, é o PMDB. A legenda saiu das urnas como a mais votada do país, refestelada sobre um patrimônio de 18,4 milhões de votos, 30% superior ao que obteve em 2004. Com isso, os peemedebistas conquistaram 1 195 cidades – 20% dos municípios brasileiros. O poder de fogo da agremiação ainda se concentra nas cidades com menos de 200 000 eleitores, onde o partido colheu quase 70% de seus votos, mas avançou em centros urbanos de maior porte. Fez a festa no Centro-Oeste, reelegendo Iris Rezende em Goiânia e Nelsinho Trad em Campo Grande. Também foi para o segundo turno no Rio, em Belo Horizonte, Salvador, Florianópolis, Porto Alegre e Belém. Em todas essas capitais, tem chances de vitória. Nem a cúpula do partido esperava um desempenho tão exuberante. Pretendia apenas manter o número de votos de 2004, quando só ficou atrás do PT e do PSDB.
Ao acordar muito maior do que tinha ido dormir na noite anterior, o PMDB não demorou a exibir seus novos bíceps. O primeiro passo foi arrancar de Lula a promessa de não intervir nas campanhas em que o partido tivesse o PT como adversário. A saber: Porto Alegre e Salvador. Na capital gaúcha, o prefeito José Fogaça enfrenta a petista Maria do Rosário, que já tem o apoio dos ministros Dilma Rousseff, da Casa Civil, e Tarso Genro, da Justiça. O PMDB sonha em derrotar o trio e estrangular o fôlego petista no estado. Na Bahia, a situação é ainda mais delicada. O candidato do PMDB é o prefeito de Salvador, João Henrique, que busca a reeleição sob a tutela do ministro Geddel Vieira Lima, da Integração Nacional. Do outro lado está o petista Walter Pinheiro, que viabilizou sua candidatura graças ao governador Jaques Wagner, também do PT. Se João Henrique vencer, estará armada uma bomba-relógio para a base governista na Bahia em 2010. Fortalecido, Geddel deverá tentar tomar o governo baiano de Jaques Wagner, candidato à reeleição.
Roosewelt Pinheiro/ABR |
INCONFIDÊNCIA À MINEIRA O ministro Hélio Costa pretende disputar o governo de Minas com um petista em 2010 |
A situação tende a se repetir em Minas Gerais. Lá, outro ministro peemedebista, Hélio Costa, das Comunicações, quer se eleger governador. Seu adversário será um petista. O prefeito de Belo Horizonte, Fernando Pimentel, e o ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, brigam pela vaga (veja reportagem). O PMDB também aumentou seu poder de barganha para a eleição presidencial, em 2010. Já tinha cinco ministérios e as maiores bancadas da Câmara e do Senado. Ficou ainda mais espaçoso. "Agora, ninguém governa sem o PMDB", resumiu a VEJA um dos caciques do partido. As urnas entusiasmaram os peemedebistas a exigir, "no mínimo", a vaga de vice na chapa que deve ser encabeçada por Dilma Rousseff. Com "no mínimo", querem dizer que ameaçam veladamente ter candidato próprio. Ninguém de bom senso acredita nisso, porque nenhum deles está disposto a entrar em uma campanha presidencial sem o PT. O único propósito da ameaça é pressionar o Planalto a conferir mais espaço ao partido. Afinal, quem quer que seja o próximo presidente, o PMDB já tem uma certeza: negociará seu apoio a ele.
O PT, por sua vez, saiu das urnas de 2008 com uma pontinha de desconfiança sobre as eleições de 2010. A agremiação dava como favas contadas a transferência de votos de Lula para qualquer um que envergasse uma camisa vermelha e botasse uma estrela no peito. Não foi assim. Campanhas em que Lula se empenhou tiveram resultados muito diferentes dos que ele esperava. As estrelas do partido foram Luizianne Lins, que se reelegeu em Fortaleza, e João da Costa, novo prefeito do Recife. Eles consolidaram a força do PT no Nordeste, mas não precisaram de Lula para chegar lá. No cômputo geral, o partido recebeu 16,5 milhões de votos, apenas 1% a mais do que em 2004. O número de prefeituras do partido, no entanto, aumentou, porque os petistas estão conquistando os grotões. Em cidades com menos de 10 000 eleitores, o PT fez a festa.
Outras agremiações da base de Lula também contaram vitórias importantes. O PP ganhou em Maceió, com Cícero Almeida, que teve a maior votação proporcional do país: 81%. O PSB engordou ao redor de Pernambuco, seu quartel-general, espraiando-se pela Paraíba, pelo Rio Grande do Norte e pelo Piauí. Com 1,7 milhão de votos, o PCdoB dobrou seu pequeno eleitorado e ganhou 39 prefeituras, um aumento e tanto para quem só havia arrebanhado dez cidades em 2004.
Ueslei Marcelino/Folha Imagem |
CANDIDATO A BABALORIXÁ Situação explosiva: o ministro Geddel cogita tentar tomar o governo baiano do petista Wagner |
Já a oposição encolheu em relação à última eleição municipal. Com 14,5 milhões de votos, os tucanos perderam 8% do eleitorado. Isso se explica, em parte, porque o partido não lançou candidato próprio no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte, colégios eleitorais importantes. O tucano que mais brilhou foi Beto Richa, reeleito em Curitiba com 77% dos votos e, desde já, candidato a governador em 2010. No caso do DEM, a redução foi ainda mais dramática. Os democratas viram 17% de seu eleitorado evaporar, e atingiram a marca de 9,3 milhões de votos. O DEM não conquistou nenhuma capital no primeiro turno, e disputa o segundo apenas em São Paulo. Se vencer o pleito na maior cidade do Brasil, como é cada vez mais provável, terá se desidratado no interior do país, mas poderá reivindicar uma cadeira ao lado do PMDB na tribuna dos vencedores.
Feitas as contas, o primeiro turno deixou algumas lições. A primeira: a transferência de votos é uma história da carochinha. Do alto da sua enorme popularidade, Lula não conseguiu influir nas eleições. O mesmo aconteceu com o governador mineiro Aécio Neves. A segunda: existe, sim, transferência de rejeição. As pesquisas diárias feitas pela campanha de Beto Richa indicaram que o candidato Carlos Moreira, do PMDB, teria mais votos em Curitiba se não estivesse associado a Roberto Requião. A terceira: eleição municipal nada tem a ver com a de presidente da República. Brasília está muito distante da realidade do eleitor, que não relaciona os problemas cotidianos de uma cidade aos destinos do país. O cientista político Jairo Nicolau resume bem todos esses aspectos: "Enquanto a eleição presidencial é capaz de produzir um terremoto, a eleição municipal apenas mexe nas placas tectônicas". Mas que foi uma boa mexida, isso lá foi.