Já não podemos mais falar de bons momentos. A crise anunciada do subprime se transformou em uma crise sistêmica por causa da hesitação do governo americano em salvar o Lehman Brothers. Ao piscar, deu margem ao pânico; o custo terminou sendo maior. Ainda assim é barato. A crise de hoje é a pior da história financeira em virtude de suas imensas proporções e pelo fato de que a globalização derrubou barreiras. O espirro do quarto ao lado vira pneumonia se o vizinho estiver com suas resistências baixas. Não é uma crise do capitalismo, de proporções parecidas ao terremoto político no qual naufragou o comunismo em 1989.
É uma crise financeira provocada pelo mau emprego das liberdades do capitalismo e pela incompetência das autoridades financeiras americanas. Nos últimos quinze anos, fiz várias dezenas de palestras sobre a economia brasileira em Wall Street. Quase sempre ouvi comentários desairosos sobre nossas políticas. O famigerado PROER, que evitou a quebradeira dos bancos, era criticado como mais uma invenção heterodoxa do Brasil. Quando a crise ardeu os fundilhos da economia da superpotência, a saída que salvou Chico, também salvou Francisco. Assim, por incompetência e soberba, os Estados Unidos entraram num buraco que vai deixar seqüelas. A principal delas é a aversão ao risco. Justo no momento em que o Brasil alcança o tão sonhado "investment grade". Nesse momento feliz, em que muitos esperavam ver a Bolsa brasileira deslanchar, tomamos uma pancada sem tamanho.
A crise tomou conta da economia global e surgiu da forma mais previsível possível. Dois anos atrás, em um seminário no Utah, um professor americano – colega de Ben Bernanke – dizia que temia apenas duas coisas: a crise do subprime e um novo atentado terrorista nos Estados Unidos. Com base na "fórmula NEP", muitos – inclusive eu – acreditavam que os Estados Unidos iam evitar que a primeira hipótese eclodisse de forma tão trágica. Muito antes, Alan Grenspan alertou para a exuberância irracional dos mercados, mas não foi eficaz em evitar que a bolha imobiliária explodisse (em tempo: "fórmula NEP" que dizer "Não É Possível". No caso, "não é possível" que os Estados Unidos tão alertados que estavam para o problema do subprime, não tomassem as devidas providências para evitá-lo.
Um desses gurus da administração moderna disse que os piores erros são aqueles cometidos nos bons momentos. Ao invés de desejarem e esperarem o melhor e estarem preparados para o pior, os Estados Unidos de Bush foram complacentes com o caroço no momento em que o mundo acumulava um ciclo virtuoso de crescimento. A complacência e a incúria dos Estados Unidos quase levaram o mundo junto. A aprovação do pacote financeiro é um alento e deve evitar que a crise se aprofunde. No entanto, ficam as seqüelas.
O crédito vai ficar caro e curto. As decisões de investimento vão sofrer atrasos. Ainda bem que muitos de nossos fundamentos são os melhores de nossa historia: arrecadação tributária, superávit primário, reservas, sistema financeiro saudável, entre outros. Para nós, ao invés do azar da crise chegar no momento do "investment grade", devemos ficar felizes. Considerando o nossos histórico, ela ocorreu no melhor momento possível para nós. Vamos fazer nosso dever de casa. Vamos melhorar nossos fundamentos. Vamos turbinar o ambiente de investimento no país. Vamos ser mais agressivos na geração de negócios e de empregos. Essa é a mensagem que devemos cobrar do governo e de nós mesmos.
Murillo de Aragão é mestre em ciência política e doutor em sociologia pela UnB, é presidente da Arko Advice Pesquisas e conselheiro do CDES.