É verdade que eleições se decidem nas urnas, não nos questionários dos pesquisadores, mas reviravoltas eleitorais de última hora são mais do que raridades. Ainda assim, a chamada "onda Kassab" não dá sinais de quebrar. Ele não apenas conquistou na sondagem duas vezes mais adesões do que ela, em média, entre os eleitores de todos os candidatos eliminados, como ainda a supera, nas regiões da cidade em que é o preferido, com muito mais folga do que a da candidata nos seus redutos. (Por exemplo, no seu melhor desempenho, no extremo sul da cidade, Marta bate Kassab por 9 pontos; já Kassab, onde se saiu melhor, na zona sul, livra uma diferença de 55 pontos.) O encorpamento e a distribuição do eleitorado do democrata sugerem que a consolidação de sua dianteira é mais provável do que a recuperação da adversária a ponto de fazê-la virar o jogo. Para Lula, isso representa um estridente sinal de alarme. Se é certo que, sob pressão do PT e de Marta, além de ter aparecido com ela na sexta-feira, ele ficou de aparecer no horário gratuito e no comício de encerramento, é certo também que receia ter o nome associado diretamente a uma derrota que se desenha na mais importante disputa da temporada.
O apparat petista - uma profusão de ministros e parlamentares e ainda o chefe de gabinete presidencial, Gilberto Carvalho - que trate de debelar o perigo real e iminente. Quando o número um do partido, Ricardo Berzoini, declara que é lógico que a popularidade do presidente ajuda, mas "no Brasil não há tradição de transferência de votos", é lógico também deduzir daí que, em relação a São Paulo, Lula pôs as barbas de molho. Aliás, os superpoderes eleitorais de Lula foram um tanto exagerados - ao menos em pleitos que, para o eleitor, giram antes em torno dos problemas locais do que da grande política nacional. No primeiro turno, Lula gravou mensagens para 94 candidatos. Destes, 40 venceram, 9 passaram para a prova final e 45 perderam. No caso de Natal, fez mais e diferente: subiu ao palanque da candidata petista Fátima Bezerra, menos para exaltá-la do que para atacar a adversária Micarla de Souza, do PV, apoiada pelo líder da oposição no Senado, José Agripino Maia, do DEM. "O presidente não me conhece e falou do meu caráter, da minha profissão e do meu pai, que faleceu há 10 anos", lembrou Micarla numa entrevista. Apesar disso - ou por causa disso - ela se elegeu.
Em outras capitais de peso, Lula está impedido de se engajar pessoalmente em favor de seus companheiros quando os adversários deles são do PMDB, o pilar do governo de coalizão, com 6 ministros e 107 parlamentares. A neutralidade livra o presidente do problema de Porto Alegre, onde a petista Maria do Rosário dificilmente derrotará o peemedebista José Fogaça. Como tampouco se envolve em disputas entre partidos da base, Lula não terá o dissabor de aparecer no Rio com Eduardo Paes, do PMDB, apoiado pelo PT, que enfrenta Fernando Gabeira, do PV, apoiado pelo DEM. Lula não perdoa Paes por ter proposto uma investigação sobre o seu filho no caso Telemar-Gamecorp. Por fim, mesmo um fracasso de Marta não será o mal absoluto nas contas de Lula: deixará o campo livre para ele emplacar a ministra Dilma Rousseff como sua candidata em 2010.