Entrevista:O Estado inteligente

sábado, outubro 04, 2008

O pacote anticrise

O Estado de S. Paulo EDITORIAL,

Vencida a batalha no Congresso, o governo americano terá de agir com rapidez para conter a crise no mercado financeiro e impedir que os Estados Unidos atolem numa profunda recessão. Horas antes da aprovação do plano de socorro aos bancos, o Departamento do Trabalho havia informado que 159 mil vagas haviam sido cortadas em setembro, na maior onda de demissões desde março de 2003. Um dia antes, o Departamento de Comércio havia apontado uma redução de 4% nas encomendas ao setor manufatureiro. Ontem, a Câmara de Representantes autorizou o governo a gastar US$ 700 bilhões para tirar do sufoco as instituições financeiras, comprando grande parte de seus créditos podres, e mais US$ 152 bilhões em benefícios variados, incluídos na proposta em troca de apoio parlamentar.

Os pingentes foram negociados logo depois da rejeição do pacote na segunda-feira, na Câmara, por um placar de 228 votos contrários e 205 favoráveis. Para virar o jogo, o secretário do Tesouro, Henry Paulson, combinou com um grupo de senadores influentes o envio de um novo texto, politicamente mais palatável. Uma das principais mudanças foi a ampliação dos depósitos garantidos pelo governo, com a elevação do teto de US$ 100 mil para US$ 250 mil. Os dois candidatos à presidência influíram diretamente nessa alteração. O novo pacote incluiu também reduções de impostos para empresas, um incentivo fiscal para produção de filmes nos Estados Unidos e medidas para empregadores estimularem o uso de bicicleta por funcionários, além de outros presentinhos. Foi mais um projeto convertido em árvore de Natal. Na quarta-feira, o texto foi aprovado com grande folga pelos senadores, por 74 votos a 25.

A votação na Câmara seria mais difícil para o governo, segundo as previsões feitas ainda na quinta-feira. Mas a conversão dos deputados inicialmente contrários ao projeto foi mais ampla do que se estimava. Aparentemente, um choque de realidade contribuiu para diminuir a oposição ao pacote. Logo depois da rejeição inicial, na segunda-feira, as bolsas haviam despencado em todo o mundo, com perda recorde de pontos em Nova York. Além disso, acumularam-se durante a semana inquietantes sinais de enfraquecimento da economia americana - em linha com indícios de recessão na França e noutros grandes países europeus.

"Decidi que o custo de não fazer nada é maior que o custo de fazer alguma coisa", disse na sexta-feira o deputado republicano John Lewis, da Geórgia, um dos opositores do projeto na votação inicial. Em poucos dias, a avaliação do projeto parecia haver mudado: já não se tratava de um socorro aos banqueiros, mas de uma iniciativa necessária para conter uma crise econômica e salvar o emprego de milhões de americanos. Muitos deputados reproduziram, com pequenas variações, a explicação do republicano Lewis. Nesta altura, quem se arriscaria a ser acusado de ter contribuído para a recessão?

Boa parte do eleitorado havia percebido a importância do problema econômico. O aprofundamento da crise mudou o foco do debate eleitoral, concentrando-o na crise financeira e nas suas possíveis conseqüências. Os erros do governo, a falta de regulação do mercado, os abusos cometidos pelos figurões de Wall Street e os novos perigos para o cidadão comum converteram-se em temas prioritários - numa alteração vantajosa, segundo os analistas, para o democrata Barack Obama. Foi algo como um retorno à primeira campanha de Bill Clinton, quando seus estrategistas sintetizaram numa frase - "é a economia, estúpido" - os grandes problemas do momento.

O secretário do Tesouro ainda precisará definir detalhes importantes do projeto recém-aprovado, como, por exemplo, o critério de fixação de preço dos papéis podres que serão comprados. Se o pacote for aplicado com eficiência, a insegurança no setor financeiro será atenuada, mas isso não impedirá, segundo avaliação de muitos economistas, um severo esfriamento econômico nos Estados Unidos. Mesmo com novas providências das autoridades européias, dificilmente se evitará uma fase de um ou dois anos de estagnação no mundo rico.

Os emergentes serão afetados por essa mudança e o Brasil não será uma exceção. O Banco Central brasileiro já toma providências concretas para amenizar os problemas de liquidez. O Executivo anunciou umas poucas medidas, mas continua a mostrar-se mais propenso a bravatas do que à ação eficaz.

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