Empresas e bancos locais também participaram de operações de alto risco, que agora cobram um alto preço do país
A ABRUPTA desvalorização do real revela que operações financeiras de altíssimo risco, durante a fase de bonança, ocorreram também no Brasil. A notícia é ruim em si, num contexto de evaporação da confiança nos negócios. A depender da extensão dos prejuízos que só começam a vir à tona, pode piorar.
Com fartura de capital à disposição, dólar em queda prolongada e acirrada competição entre as instituições financeiras, bancos passaram a oferecer derivativos (aplicações que jogam com as cotações futuras) para as empresas exportadoras, por meio de contratos bilaterais e pouco transparentes. Trata-se de operações usuais e defensivas quando o objetivo é proteger-se (hedge) contra a valorização do real, que diminui a receita doméstica dos exportadores.
Como é típico das bolhas capitalistas, o ambiente de euforia levou algumas dessas companhias a dar um passo além. Foram ao ataque na tentativa de aumentar seu faturamento financeiro e, para tanto, apostaram na manutenção do real valorizado.
Como o cenário se alterou bruscamente e o dólar se valorizou depressa, as perdas nas tacadas especulativas começaram a se acumular. Para desfazer-se da arapuca, as firmas atingidas começaram, então, a comprar dólares em ritmo alucinado, o que ajuda a explicar a explosão da taxa de câmbio nos últimos dias.
Em setembro, com a deflagração da fase mais aguda da crise internacional ora em curso, o real foi a moeda que mais se desvalorizou contra o dólar, acumulando perdas de 40%. A média da desvalorização das outras moedas emergentes, por exemplo, não ultrapassou 7%. Entre as bolsas de valores do mundo, a Bovespa também foi uma das que mais sofreram perdas no período. A baixa de 27% é comparável com a desvalorização da Nasdaq (25%), a bolsa de tecnologia dos Estados Unidos, e fica atrás, apenas, da queda, superior a 40%, na Rússia.
O drama com as ações e com o câmbio no Brasil se explica, em parte, pelo fato de esses mercados terem registrado, também aqui, algumas das maiores altas mundiais na euforia. Não seria anormal que, na inversão do ciclo, o Brasil fosse um pouco mais prejudicado. Mas a surpresa, perturbadora, foi a participação direta de empresas e bancos brasileiros no processo especulativo que agora contribui para multiplicar os danos da crise no país.
Fora do alcance da supervisão bancária, em operações irresponsáveis e alucinadas, o principal capítulo da derrocada financeira mundial foi escrito. É desconfortante constatar que operações desse tipo também ocorreram no Brasil. A discussão para ampliar a regulamentação financeira, portanto, também se torna prioritária no âmbito nacional.
Entrevista:O Estado inteligente
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