Panorama Econômico
Crises previsíveis
As crises são previsíveis e evitáveis, mas só as que já aconteceram. Foi o que o Prêmio Nobel de Economia, Paul Krugman, me disse numa entrevista em 1998 e que soa espantosamente atual. Ele descrevia a crise da Ásia e parece que falava da atual, provocada pela bolha imobiliária. Hoje, todos entendem a crise americana, mas diariamente o mundo se espanta com a reação inesperada nos mercados.
Ontem, a bolsa de NY começou a cair logo depois de se confirmar o mesmo fato que levou a bolsa à euforia na véspera: que o governo Bush, seguindo a idéia do governo inglês, vai comprar ações dos bancos. Foram cheques de US$ 25 bilhões cada, distribuídos para o Citibank, Bank of America, JP Morgan Chase e Wells Fargo. O Morgan Stanley e Goldman Sachs vão receber US$ 10 bilhões cada. Um plano rudimentar. Os checões vão ser trocados por ações preferenciais, ou seja, sem direito a voto. É tão moderno quanto aquela velha operação hospital que o BNDES fazia para as empresas familiares mal geridas de São Paulo, nos anos 70 e 80, e que levou o economista Paulo Guedes a inventar uma impagável expressão para definir o banco de desenvolvimento: “recreio dos bandeirantes”.
Entrevistar Krugman em 1998 me ensinou bastante sobre as circunstâncias da época. Rever a entrevista agora, depois que ele recebeu o Prêmio Nobel, me ensinou muito mais. Eu ouvi o que não tinha ouvido. Ele disse que se pegasse um relatório da crise do Chile de 1981 e trocasse o nome do país para Coréia do Sul eu iria achar que ele falava da crise de 98. Ouvi-lo agora descrever aquela crise é o mesmo que ouvi-lo falar da crise americana que se espalhou pelo mundo.
— Havia uma bolha no sistema bancário, isso criou uma superespeculação no mercado imobiliário. Os bancos ficaram vulneráveis. Quando o preço dos imóveis começou a cair, muitos bancos ficaram financeiramente insolventes. Os depositantes fugiram dos bancos, os investidores abandonaram os bancos. Isso criou uma pressão que tornou as instituições insolventes. É como se um prédio com os andares superiores mal construídos começasse a desabar, com os andares mais altos derrubando os mais baixos — disse Krugman na entrevista.
Ele disse que o mundo ficou muito surpreso quando a crise começou, mas que não devia ter se surpreendido. “Havia evidências prévias de crises semelhantes que ninguém levou a sério. O chocante é que, se olharmos algumas experiências, os fatos estão lá.” Krugman tinha previsto a crise da Ásia anos antes. Em 1994, ele criticou os então tigres asiáticos dizendo que eles eram tigres de papel. Foi criticadíssimo. Mesmo assim, em 98, na entrevista, não quis faturar. Disse que tinha errado menos que os outros, e que tinha previsto apenas uma crise, não aquela catástrofe que se abateu sobre Tailândia, Coréia e Indonésia, que naquele momento estavam vivendo recessões gigantescas, de 6% na Coréia e 13% na Indonésia.
Um detalhe me intrigou ao rever a entrevista. Ele disse que a origem dos maus empréstimos concedidos pelos bancos asiáticos e que levaram aos problemas foram as “garantias de que os empréstimos eram garantidos pelo governo. Eles tomavam dinheiro e o banco achava que o governo iria cuidar disso”. A onda de garantia total dada pelos governos aos depósitos, aos empréstimos interbancários, aos ativos e passivos dos bancos não poderá criar a próxima onda de leniência, irresponsabilidade, falta de controle na concessão do crédito?
Krugman disse que, nesses momentos, os mercados ficam “irracionais e histéricos”, num dia acham que devem investir tudo nos países emergentes, no dia seguinte acham que os emergentes estão péssimos. Naquela época, a onda se aproximava do Brasil. Perguntei se era possível evitar que a crise da Ásia chegasse ao Brasil e ele disse: “O mundo sabe como parar a atual crise, mas não como evitar a próxima.”
— Hoje você pode se certificar de que os bancos tenham bastante capital, que eles tenham controles para emprestar, e ter muito cuidado em dar garantias do governo aos créditos e impor restrições às concessões de crédito. Quem sabe assim você pode evitar a próxima crise.
Se no próprio país de Krugman se tivesse seguido esse manual, a atual crise poderia ter sido evitada. E se a gente olhar de novo essa receita, verá que a gênese de um outro período de empréstimo descontrolado pode nascer desse afã em evitar a recessão, e dessa garantia extravagante dada pelo governo que, na prática, elimina todo o risco do negócio bancário hoje.
— Quando a próxima crise acontecer — disse Krugman, profético — não há dúvida que alguém vai dizer: “Ah! Claro, esse erro político causou esta crise, mas agora ninguém está pensando nisso.”
Nada como uma velha entrevista com um Prêmio Nobel para se entender o presente e os riscos do futuro. Agora, os governos europeus e americano estão cometendo excessos e provocando distorções para evitar o pior na atual crise já instalada. Os bancos estão sendo premiados com o dinheiro do contribuinte e incentivados a serem imprudentes ao conduzir seus negócios. Nos gordos cheques de ontem pode estar a semente da próxima bolha.