Nunca subestime as crises; nunca superestime as crises. Essas duas regras de ouro para atravessar momentos turbulentos servem para governos, pessoas e empresas. O pior risco em qualquer travessia como a que estamos vivendo é o governo ficar a reboque dos fatos. Quando isso acontece, ele comete o primeiro erro, o de subestimar o risco. Age tarde demais e pouco demais.
Jornalistas de economia do Brasil, da minha geração, já viram tantas crises que sabem que elas têm uma espécie de Lei Geral.
Governos costumam ignorar essas recorrências, porque estão convencidos de que são melhores que os anteriores. Eles empilham os números que tornariam o país invulnerável naquele momento, em comparação com outros momentos do passado. Se a última crise nos pegou com baixas reservas, governos mostram o alto volume de reservas.
Não se dão conta do que o Prêmio Nobel de Economia, Paul Krugman, me disse naquela entrevista há dez anos: os economistas estão preparados para prevenir a crise que passou; não a próxima. O Brasil tem US$ 200 bilhões de reservas; a Rússia tem US$ 550 bilhões; e a China tem US$ 1,8 trilhão. As bolsas da China e da Rússia caíram em torno de 60% este ano.
Eles estão sendo atingidos pela crise. Por que nós ficaríamos isolados? Nas crises surgem fatos inesperados, que complicam uma situação que o governo supunha ter sob controle. Agora, o córner cambial. Ele veio de duas frentes: as linhas de financiamento à exportação caíram súbita e drasticamente, quando os bancos americanos e europeus cortaram os empréstimos. Sem esse fluxo, os exportadores não puderam fechar os Adiantamentos de Contrato de Câmbio (ACCs). O dólar começou a subir. Quando isso aconteceu, apareceu o segundo problema. As empresas tinham feito operações de derivativos cambiais apostando que o dólar não subiria. Começaram a perder e a ter que comprar dólares no mercado, para cobrir suas posições. O dólar subiu mais. Elas perderam mais. Quanto mais tentavam se proteger, mais se expunham, porque era a demanda delas por dólar que elevava a moeda; quanto mais o dólar subia, maior era o prejuízo.
Não se pode subestimar o teor tóxico desse problema.
Ele está mal dimensionado e não resolvido.
Ele pode criar uma espiral em que a economia vai se afundando. Aumentou a desconfiança em relação à saúde das empresas. A desconfiança em si cria mais danos. Uma ação pode subir amanhã; contratos suspensos, negócios não feitos, estigmas criados sobre as empresas têm efeitos mais duradouros.
Não se pode superestimar o problema cambial.
As grandes empresas brasileiras estão com dificuldades, mas não estão quebradas.
Algumas passarão por um duro período de curar feridas e apagar vermelhos dos seus balanços.
Quando os contratos de câmbio voltarem a ser fechados, as próprias exportadoras poderão aumentar a oferta de dólar no mercado e, assim, ajudar a normalizar o mercado de moeda.
Com dólar mais baixo, o risco de novos prejuízos cairá. O retorno da normalidade ao comércio internacional permitirá ao Banco Central voltar a acumular reservas.
Há ajustes que desajustam.
Outra regra da Lei Geral das Crises. Mandar os bancos públicos salvarem as empresas exportadoras da encrenca produzirá a exposição excessiva ao risco do Banco do Brasil e do BNDES. Isso criará desajustes futuros. O Banco Central pode vender reservas e linhas cambiais, mas não pode defender um nível de taxa de câmbio específico, porque se ele tentar estabelecer uma meta de preço para o dólar, vai queimar reservas sem atingir esta meta. As empresas e os bancos têm mecanismos para reduzir o problema, através da negociação direta ou do litígio. Há caminhos privados. Nos momentos de crise, os lobbies se fortalecem. Outra velha lei da selva. Eles apresentam idéias supostamente terminativas da crise, mas que são atendimento de interesse específico; socialização dos prejuízos. O governo deve ter um diagnóstico próprio e bem informado, para não se deixar levar pelos lobistas.
Empresas que superestimam as crises cortam investimentos, demitem, suspendem bons negócios, tentam se proteger contra todos os riscos e acabam expostas ao maior deles: à anemia. Quando se derem conta, perderam participação no mercado, ou perderam o pé. Empresas que subestimam as crises se alavancam em momento adverso, acham que estão sendo mais espertas que as outras, e são apanhadas no contrapé: com estoques elevados em época de alta de taxas de juros e queda de demanda.
A regra de enfrentar a crise com baixo endividamento e alta liquidez serve também para as pessoas.
Época de décimo terceiro é bom momento de pagar as dívidas, em vez de comprometer ainda mais o orçamento.
Esse não é o momento de estar endividado e com risco de perda de renda.
Agora é a fase da criseespetáculo; quedas dramáticas, líderes mundiais reunidos; palavras tórridas, comparações com fatos históricos inesquecíveis.
Depois virá a banalidade do mal: a queda da produção, o aumento do desemprego, o consumo minguando.
A recessão estará nos países ricos; a inflexão da curva da produção no Brasil aumentará o desconforto econômico.
O melhor das crises é a última lei: as crises não duram para sempre. Os momentos de reconstrução e retomada podem ser poderosos.
Não subestime as chances que virão. Isso vale para empresas, governos e pessoas.
oglobo.com.br/miriamleitao
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COM LEONARDO ZANELLI
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