Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, outubro 03, 2008

Graziano: Minc "levantou a sujeira sob o tapete"



Soraya Aggege
O Globo
3/10/2008

Especialista diz que ministro foi corajoso ao dizer que assentamentos são a maior causa de desmatamento na Amazônia

O ex-presidente do Incra Xico Graziano elogiou o ministro Carlos Minc por "levantar a sujeira sob o tapete", ao publicar lista que aponta assentamento de sem-terra como os maiores causadores de desmatamento na Amazônia. "A reforma agrária no Brasil, com este formato, é antiecológica." O Ibama admite fechar um acordo para perdoar a dívida milionária do Incra.

O secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, Xico Graziano, afirmou ontem que o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, "levantou a sujeira sob o tapete" da questão agrária no Brasil, ao declarar que os assentamentos são a maior causa do desmatamento na Amazônia. Especialista no tema, Graziano disse que nenhum governo, inclusive do PSDB, do qual fez parte como presidente do Incra (1995), conseguiu tornar a reforma agrária ambientalmente acertada.

- Esse assunto estava enfiado embaixo do tapete, até que agora o Minc corajosa e corretamente o levantou - disse Graziano.

Há 20 anos, livro de Graziano já fazia alerta

O ex-presidente do Incra lembrou que há cerca de 20 anos lançou o polêmico livro "A tragédia da Terra", baseado em sua tese de doutorado na Fundação Getulio Vargas (FGV), onde fazia afirmações semelhantes sobre os assentamentos.

- Eu dizia que cerca de 50 milhões de hectares de terras consideradas improdutivas eram florestas. A minha tese causou muita polêmica, mas estava correta. Hoje, 20 anos depois, as coisas mudaram, mas o Incra continua chamando de terras improdutivas o que era floresta virgem, morada de onça - disse Xico Graziano, explicando ainda que não saberia dizer agora qual seria o estoque real de florestas e terras improdutivas no país.

Ainda segundo o especialista, o impacto dos assentamentos sobre a Floresta Amazônica não tem sido uma questão de opção de governo, mas sim de uma ideologia da reforma agrária arraigada no país. Para ele, o PT é mais ligado à ideologia de esquerda que calcula enormes volumes de áreas improdutivas no país, mas o erro tem sido inerente a todos os governos, inclusive do PSDB, do qual participou.

O próprio partido tucano colaborou para o desmatamento da Amazônia, de acordo com o secretário de Meio Ambiente de José Serra.

- A região de Marabá, por exemplo, foi totalmente desmatada, muito por causa do projeto de Raul Jungmann (ex-ministro do Desenvolvimento Agrário no governo Fernando Henrique Cardoso) de assentamentos na região. E isso é só um exemplo.

Na avaliação do especialista, o Brasil precisa rever rapidamente sua política de reforma agrária:

- A legalidade do Estatuto da Terra é de 1964, mas continua a mesma. O erro é inerente ao processo de reforma agrária, que é antiambiental e deformado - disse.

Graziano considera que o Brasil precisa garantir que terras de florestas não sejam jamais destinadas à reforma agrária e, ainda, proibir definitivamente a instalação de assentamentos na Amazônia.

- O que o Incra precisa fazer é colocar os assentamentos já existentes para funcionar, de modo que se tornem produtivos. Este país já gastou fortunas com os assentamentos, e eles continuam ineficientes. Deviam encerrar o ciclo da criação de assentamentos - afirmou.

Para especialista, não há mais desemprego na agricultura

Na opinião de Graziano, a questão das terras improdutivas não pode mais ser incluída no contexto da reforma agrária. Para ele, não há mais desemprego na agricultura nem terras que não sejam utilizadas no país. Segundo ele avalia, a única região do Brasil onde ainda poderiam ser feitos assentamentos seriam semi-árido e o agreste nordestinos.

- Concordo com alguns autores que dizem que nessa região há a possibilidade de se desenvolver projetos, mais voltados para a área social. É preciso atuar nesses bolsões, onde há realmente pessoas que atuam na terra. E não transformar moradores urbanos em sem-terra ou assentados, como faz o MST, com o apoio do Incra - afirmou Xico Graziano.

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