Hoje a Europa lidera o esforço de reordenação dos mercados financeiros. Autoridades européias haviam hesitado, inicialmente, em adotar medidas menos convencionais que o fornecimento de dinheiro ao mercado pelas autoridades monetárias. Foram criticadas internacionalmente por sua timidez, mas acabaram surpreendendo o mundo. O governo britânico assumiu o risco político de anunciar a liberação de 50 bilhões de libras ( 62 bilhões) para compras de ações de bancos em dificuldades. Com isso apontou uma solução mais direta e mais simples que a absorção de ativos podres planejada pelo governo americano. A proposta foi incorporada pelos países da zona do euro no plano de ação apresentado no domingo. Antes, o Banco Central Europeu, o britânico e o suíço haviam participado com o Federal Reserve de um corte simultâneo de juros.
"Pela primeira vez na história financeira", disse o presidente Sarkozy no discurso de ontem, "planos elaborados na União Européia inspiraram medidas tomadas noutros países, incluídos os Estados Unidos." Mas cabe aos europeus "mostrar liderança também na reflexão para o futuro", acrescentou, destacando com essa observação um dos temas centrais da conferência de cúpula realizada nestes dois dias.
A proposta de um ambicioso trabalho de regulação dos mercados foi acompanhada de um reconhecimento de culpa: os europeus falharam na fixação de padrões de segurança para o sistema financeiro. Pode-se discutir se as autoridades européias foram mais ou menos omissas que as americanas - provavelmente menos -, mas isso não muda o fato mais importante. Em todo o mundo rico os sistemas de supervisão foram deficientes e deixaram espaço para a formação da maior bolha financeira da história.
Tudo isso ocorreu porque nem as normas formuladas pelo Banco de Compensações Internacionais (BIS), de Basiléia, foram integralmente adotadas nos países desenvolvidos. Essas normas, já na segunda geração, foram elaboradas, no entanto, com a participação de autoridades monetárias de muitos países. No Brasil, segundo registro histórico, algumas leis não pegam. Nas grandes potências, parte das normas de Basiléia não pegou. Hoje, o mundo inteiro paga por essa negligência - e o custo ainda será muito pesado, porque os efeitos da crise financeira apenas começam a manifestar-se na economia real, indicando o risco de uma severa retração.
Desta vez, no entanto, uma lição parece ter sido assimilada pela maior parte dos governantes com influência na ordem internacional. Não será suficiente conter a crise financeira e tomar medidas para limitar seu efeito recessivo. É preciso disciplinar o sistema financeiro globalmente, limitando o risco de suas operações e estendendo a supervisão, como propôs Sarkozy, a todos os seus segmentos. A crise atual foi gerada, em grande parte, em bancos de investimentos, livres, na maior parte do mundo, da supervisão dos bancos centrais e de outros organismos de controle.
É preciso um novo Bretton Woods, disse o presidente francês, mencionando a criação do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, em 1944, numa pequena estância climática americana. Desde o começo da crise essa frase tem sido repetida. É preciso levá-la a sério - e desta vez num empreendimento mais amplo, com a participação das economias emergentes e de outros atores interessados. As instituições multilaterais disponíveis, como o FMI e o BIS, oferecem uma boa base técnica e política para a realização da tarefa.