A reiterada invocação da própria ignorância é uma desesperada tentativa da candidata de mitigar os prejuízos que o ultraje infligiu à sua campanha - e que continuará a causar se, como parece, o assunto permanecer à tona até a reta final da disputa. Além do seu impacto em setores do eleitorado de classe média que ela corteja - até aqui em vão, segundo as pesquisas -, aos quais a apelação repugna até por ter partido de quem partiu, a peça publicitária já foi qualificada de "injúria indireta" pelo juiz eleitoral Marco Antonio Martin Vargas, da 1ª Zona Eleitoral, que deu a Kassab direito de resposta no horário gratuito. As "indagações dúbias", como as definiu o juiz, "de modo subliminar induzem o eleitor à conclusão de que o candidato ofendido possa ter algo de grave na sua vida pessoal". A inocência proclamada por Marta, de todo modo, ficou ainda menos crível agora que um dos seus principais interlocutores neste segundo turno - esquecido, quem sabe, de combinar primeiro com ela - veio a público para justificar a ignomínia.
Numa entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, o chefe de gabinete (licenciado) do presidente Lula, Gilberto Carvalho, que despacha no comitê da companheira, disse que "vamos, sim, continuar na campanha convidando a população a conhecer melhor os dois candidatos, em todas as suas dimensões, pessoais e políticas". Para ele, que acha "muito difícil" separar o particular e o público quando se entra na vida pública, as perguntas não só não configuram nenhum deslize, por serem "naturais", como também foram superdimensionadas na imprensa. Isso ainda não é tudo, porém, para reduzir a zero a credibilidade do "eu não sabia" de Marta - porque não se trata de um caso único de alegado alheamento do que se passa no cerne de sua campanha. Um panfleto distribuído pela equipe martista acusa Kassab de querer "derrubar o presidente da República". (O panfleto também sugere sibilinamente que o prefeito tem preconceitos raciais, pois "reduziu o pré-natal da gestante negra em 22 das 31 subprefeituras".)
Confrontada com a delirante acusação a Kassab de conspirar contra Lula, a candidata se fez de espantada. "Deus me livre. Eu não sabia disso, não", garantiu. E se defendeu: "Como você pode acompanhar milhares de panfletos feitos pela campanha?" Talvez não possa (embora não sejam milhares). Mas o fato é que, em apenas 48 horas, duas vezes Marta disse desconhecer iniciativas de seus colaboradores que não deixam dúvidas sobre o vale-tudo em que mergulhou a sua candidatura depois que o eleitorado a surpreendeu, dando a Kassab a vitória no primeiro turno. A anatomia dos resultados, mostrando o confinamento do voto martista, e as sondagens de intenção de voto que se seguiram só fizeram aumentar o desespero da ex-prefeita. Mas isso não muda as implicações de suas juras de desinformação. A serem verdadeiras, lançam um ponto de interrogação sobre a capacidade administrativa de uma aspirante ao governo da megalópole que não controla o que se passa no seu quintal.
A serem falsas, Marta estaria apenas reproduzindo a conduta daquele a quem apoiou "desde a primeira hora", como diz a sua propaganda. Lula, afinal, quis que se acreditasse que, apesar de todos os indícios em contrário, desconhecia por completo o mensalão.