Entrevista:O Estado inteligente

sábado, outubro 18, 2008

Elizabeth Gilbert, a autora de Comer, Rezar, Amar

Viagem ao lugar-comum

Há trinta semanas na lista dos mais vendidos, Comer, Rezar, Amar, de Elizabeth Gilbert, narra a jornada gastronômico-espiritual-sexual da autora por três países – ou por três simpáticos estereótipos


Jerônimo Teixeira

Peter Adams/Getty Images
ItTÁLIA "Bel far niente significa ‘a beleza de não fazer nada’. Essa é uma expressão ótima. Sempre foi um ideal prezado pelos italianos"


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Trecho de Comer, Rezar, Amar

O italiano é um tipão despreocupado e espontâneo, que cultiva os prazeres da mesa. O indiano é um guru em potencial, superior aos fatos comezinhos do plano terreno. O americano consegue o milagre de ser o perfeito oposto do italiano e do indiano ao mesmo tempo: sempre correndo atrás de dinheiro e sucesso, é um materialista sem tempo para os prazeres materiais. O leitor dirá que esses são estereótipos rasteiros, e a jornalista americana Elizabeth Gilbert, 39 anos, não discordaria. "Mas existe um fundo de verdade nos estereótipos", diz a autora do best-seller Comer, Rezar, Amar (tradução de Fernanda Abreu; Objetiva; 344 páginas; 39,90 reais), que já vendeu 4 milhões de exemplares no mundo todo (100 000 deles no Brasil) e chega nesta semana à trigésima aparição na lista dos mais vendidos de VEJA, em primeiro lugar na categoria não-ficção. O livro relata a jornada gastronômico-espiritual-sexual que a autora empreendeu, em 2003, por três países: Itália, Índia e Indonésia. Em cada um desses lugares, Elizabeth busca – e encontra – uma idéia pronta: a Itália é a terra do prazer; a Índia, a pátria da meditação; e a Indonésia (ou, mais especificamente, a Ilha de Bali), um paraíso de equilíbrio. No meio do caminho, sobram alguns lugares-comuns para o Brasil – em Bali, Elizabeth vai redescobrir o amor com um representante desse povo sensual e brejeiro. O curioso é que Comer, Rezar, Amar repisa esses estereótipos sem convertê-los em preconceitos odiosos ou reducionistas. São todos expressões da imensa simpatia de Elizabeth, a mais generosa das turistas.

Luca Tettoni/Corbis/Latin Stock
ÍNDIA "Você vai precisar de um guia em sua jornada. Se tiver sorte, encontrará um guru. É isso que os peregrinos têm vindo buscar na índia há séculos"

Falando com VEJA por telefone de sua casa em Nova Jersey, onde hoje mora com José, o maridão brasileiro (chamado de Felipe no livro), a autora concede que existam americanos descontraídos e italianos estressados. Mas, argumenta ela, o que dá caráter a uma cultura é a quantidade de "energia" que ela devota a diferentes atividades. "Será difícil encontrar outro povo que devote tanta energia à busca do prazer quanto o italiano", diz a autora. E acrescenta, rindo: "Talvez o brasileiro". A jornalista embarcou na sua viagem de um ano depois de um divórcio doloroso e estava disposta a manter-se afastada dos homens durante todo o período. Os prazeres da Itália, portanto, se restringiram à mesa – e ao aprendizado da língua, que encantou a aluna. "Meu marido já tentou me ensinar português, mas acho as duas línguas muito parecidas. Tenho a impressão de que perco meu italiano quando estudo português", diz Elizabeth.

A temporada indiana foi integralmente passada em um ashram – um retiro espiritual (resistir aos mosquitos indianos enquanto meditava é uma das provações espirituais narradas no livro). Em Bali, afinal, aparece o brasileiro José, aliás, Felipe. Também ele vinha de um divórcio – tem filhos na Austrália. Importava pedras preciosas brasileiras para trabalhá-las com artesãos indonésios (e hoje, nos Estados Unidos, segue comercializando esculturas, móveis, trecos balineses em geral, agora em sociedade com Elizabeth, em uma loja chamada Two Buttons). Não foi exatamente a primeira escolha da turista americana quando pensou em abdicar de seu voto de um ano de castidade. Ela chegou a paquerar um galês. Mas Felipe, aliás, José, acabou levando a melhor com suas cantadas originais. No livro, por exemplo, ele aparece alojando o rosto sob o braço de Elizabeth para depois declarar que gostava do seu "fedorzinho maravilhoso". É nesta mesma noite que ele a leva para a cama.

The Image Bank/Getty Images

BALI "Cada balinês conhece o seu lugar. Os balineses são os campeões mundiais do equilíbrio. A manutenção do equilíbrio é uma arte, uma ciência"

Trechos de Comer, Rezar, Amar

Como vai expresso no verbo do meio, Comer, Rezar, Amar é uma história de descoberta espiritual. Elizabeth, porém, afirma que a viagem não é necessária para chegar lá. "Se eu fosse mais disciplinada, poderia ter feito as mesmas descobertas na minha sala de estar", diz. Os temas místicos são tratados com uma sem-cerimônia cativante – onde mais se encontraria uma relação entre mosquitos e meditação transcendental? A seção sobre a Índia, porém, interessará menos aos que lêem o livro pelos seus aspectos, digamos, turísticos. Aviso aos céticos: Elizabeth é mística praticante, com certo colorido riponga. É uma espiritualidade sob medida para a eclética apresentadora Oprah Winfrey, que ajudou a catapultar o livro para as listas de best-sellers ao entrevistar a autora em seu programa. Resenhas na imprensa americana já alinharam Comer, Rezar, Amar à chamada Nova Era, o saco de gatos esotérico que mistura de tudo um pouco (e só um pouco de tudo), de bruxaria a budismo. "A princípio, eu resisti a esse rótulo. Acho a Nova Era uma coisa meio preguiçosa, um movimento sem rigor nas coisas que persegue", diz Elizabeth. Mas ela acaba admitindo que, se tem de ser classificada em algum escaninho, a Nova Era é inescapável. "A gente sempre esperneia para escapar aos rótulos. Mas a verdade é que alguns rótulos nos definem muito bem", diz Elizabeth, mais uma vez expressando sua fé nos estereótipos.

Deborah Lopez
TURISTA DA NOVA ERA
A jornalista americana Elizabeth Gilbert: meditação transcendental entre os mosquitos da Índia


O estereótipo do americano não chega a comparecer no livro. Mas Elizabeth diz tê-lo visto em uma rua de Nova York, pouco tempo depois de ter voltado da sua viagem. O sujeito fazia quatro coisas ao mesmo tempo: passeava com o cachorro, falava ao celular, lia um jornal e comia um sanduíche. "Seria demais exigir que ele fizesse uma refeição italiana, com vários pratos", diz. "Mas tive vontade de pedir que ele ao menos mastigasse o sanduíche." Elizabeth parece ter aprendido a fazer uma coisa de cada vez. No momento, deixou em suspenso o trabalho em seu próximo livro e está engajadíssima na campanha presidencial de Barack Obama.

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