Entrevista:O Estado inteligente

domingo, outubro 12, 2008

Augusto Nunes-SETE DIAS


A caça ao poder tem limite
Há limite para tudo, lembrou o deputado Fernando Gabeira, em outubro de 2003, aos jornalistas que aguardavam no saguão do Palácio do Planalto o fim da conversa que não houve. Estava lá desde às 11 da manhã a convite do chefe da Casa Civil, José Dirceu, que pretendia convencê-lo a ficar no PT. Gabeira queria só avisar que, como os desvios do partido haviam passado do limite, seria um ex-petista na manhã seguinte. Uma hora depois, o anfitrião nem dera sinal de vida. Deselegância também tem limite. Sem esperar por Dirceu, Gabeira despediu-se da secretária, da sala e do PT. Tudo tem limite. Não há limite para nada, berra o comportamento da imensa maioria dos políticos brasileiros, sob o silêncio cúmplice dos rebanhos. A honra, a ética, a moral, a compostura, a coerência ­ tudo velharia, coisa de otário. "Não se faz política sem meter a mão na merda", ensina a Teoria de Paulo Betti. "Só é feio perder a eleição", vive avisando o ministro Tarso Genro. Sobretudo quando está em disputa a prefeitura do Rio, confirma o esforço espantoso do ex-deputado Eduardo Paes para conseguir o perdão e, se Deus ajudar, o apoio explícito do presidente Lula. Nada mais é vergonhoso. Só a derrota. Há cinco anos, o agora candidato a prefeito do PV achou humilhante demais continuar à espera do ministro descortês. Neste outubro, o candidato do PMDB não acha sequer constrangedora a rendição incondicional a quem acusou de chefiar a quadrilha do mensalão. "Exagerei no tom", desculpou-se de novo, na quinta-feira. Não foi o volume da voz, muito menos o timbre, que incluiu o então deputado do PSDB na lista dos desafetos do presidente (e da família Lula da Silva). Foi o que disse no Congresso o relator-adjunto da CPI dos Correios. Foi o que confirmou, em sucessivas entrevistas, o parlamentar que se tornara tucano depois de reeleito pelo PFL. "O conjunto de escândalos que envolvem o governo é tanto, e a desfaçatez dos principais atores envolvidos neles tão grande, que às vezes parece que a CPI não conseguiu ainda provar muita coisa", disse em agosto de 2006. "Comprovamos o mensalão com cópia de recibo e tudo. Como é que o Lula ainda tem coragem de negar?". Depois de colocar sob suspeição negócios bastante lucrativos feitos pelo Primeiro-Filho, o entrevistado voltou ao alvo preferencial: "Liderados por Lula, alguns políticos têm feito um esforço enorme para transformar tudo numa grande pizza". Paes admitiu que o chefe de governo tenha ignorado detalhes do escândalo, "mas é claro que tinha clareza do papel do `nosso Delúbio' em todo o processo", ironizou o tratamento carinhoso dispensado por Lula ao corrupto de estimação Delúbio Soares. "Uma figura tão próxima ao presidente não teria agido com tanta liberdade sem o seu aval". Quem fez as pazes com Fernando Collor, Renan Calheiros ou Paulo Maluf não é homem de guardar ressentimentos. Mas Lula nunca perde a chance de chutar quem pede perdão de joelhos. Foi o que fez com o candidato a ministro Mangabeira Unger. É o que agora faz com o candidato a prefeito do PMDB. O que terá escrito na carta ao presidente, que jura não ter enviado, mas diz que será tratada como assunto particular caso chegue a Lula? O Brasil quer saber, por exemplo, se o candidato Paes acha que o mensalão aconteceu ou só existiu na imaginação do deputado Paes.

Sem disfarce e com prontuário
"Tem uma torcida indisfar- çada pela crise", descobriu o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo. "No primeiro semestre, essa turma torceu pela inflação". Embora os inimigos da pátria em perigo nem usem disfarce e tenham prontuário, só o vigilante paranaense conseguiu, até agora, enxergá-los com nitidez. Quem são? Certamente estão entre os 20% de brasileiros que ainda se recusam a enxergar no operário-presidente o maior governante de todos os tempos. Talvez sejam os 82% de curitibanos que dispensaram a mulher de Bernardo, Gleisi, das durezas da vida de prefeita.

A viagem para longe do perigo

Em São Paulo, Lula até de- bochou dos adversários loucos para pendurar-se nos 80% de popularidade. Marta tinha direitos exclusivos sobre ele, deixou claro. Em Natal, exigiu a derrota da candidata do senador José Agripino. Terminado o primeiro turno, o presidente não tem nada a fazer em Natal (o inimigo já levou), nem tem muito o que fazer em São Paulo: tudo o que o candidato Gilberto Kassab quer é ver Lula contando vantagem num palanque sem futuro em vez de lidar com a crise do presente. Bom de faro, o rei do improviso viajou para o exterior. Só Eduardo Paes está ansioso para que volte logo.


O Ibope conseguiu desmoralizar a boca-de-urna

Pesquisas de boca-de-urna foram inventadas para corrigir curvas produzidas por levantamentos muito espertos ou pouco sérios. Como o universo de entrevistados abrange só quem já votou, e é muito maior que os anteriores, os índices colhidos no dia da eleição raramente ficam distantes dos resultados das urnas. Também no Brasil foi assim até 5 de outubro. Deixou de sê-lo porque o Ibope conseguiu desmoralizar até a boca-de-urna. Em São Paulo, a pesquisa divulgada no começo da tarde mandou Marta Suplicy para o segundo turno com 4 pontos percentuais de vantagem sobre Gilberto Kassab. Nas urnas, ele teve 33,87% e ela, 32,35%. No Rio, o levantamento derradeiro manteve o empate entre Fernando Gabeira e Marcelo Crivella. Contados os votos, a vantagem de Gabeira foi de 8 pontos percentuais. Enquanto milhares de candidatos cumprimentavam o vencedor e deixavam o palco, a caminho de uma pausa para descanso e reflexão, o maior dos derrotados seguiu em cena. "Não houve erro", informou o presidente do Ibope, Carlos Augusto Montenegro. Como!?, balbuciou a nação desconcertada. Sem ficar ruborizado, o profeta maior explicou: "O problema é que tenho de parar a pesquisa às duas da tarde para passar os dados para a TV, mas a votação continua". Não só continua como, das duas às cinco, só aparecem eleitores decididos a votar contra pesquisas. "É errado comparar o resultado final com a última pesquisa", aparteou Mauro Paulino, diretor do Datafolha. "Pesquisa não é diagnóstico, é tendência. Se a tendência apontada foi coerente com os números das urnas, a pesquisa acertou". Em coro, os profetas enviaram a mensagem ao país: o que vale é a apuração. Se os institutos errarem, a eleição estará aí para corrigi-los. E como identificar erros e desvios que deformam pesquisas que não são conferidas nas urnas, como as que medem índices de popularidade? Isso nem Montenegro sabe.

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