Virou clichê, mas não menos verdadeiro por isto: crises desta magnitude acontecem em intervalos que se contam em muitas décadas. Não tenho dúvidas de que esta - como todas as anteriores - será superada em algum momento, ainda que a um custo extremamente elevado, tanto econômico como social. Como tampouco tenho dúvidas de que haverá outra crise - diferente - em algum momento futuro. Afinal, é o que nos ensina a história, sempre surpreendente, dos últimos 250 anos. E, tão importante quanto, é o que nos ensina a imutável natureza humana, que, como é sabido, é movida por uma contínua interação das forças da ambição, do medo, da ignorância e da necessidade de auto-estima e reconhecimento que carrega consigo todo ser humano.
Os mercados, e em particular os mercados financeiros, sempre foram, são e serão afetados pela interação dos elementos acima com as incertezas, os riscos e oportunidades que o futuro invariavelmente contém. Esses processos podem por vezes levar tanto a manifestações de "exuberância irracional" e de "ganância infecciosa", para usar duas expressões de Greenspan, como a "medos irracionais" e "pânicos infecciosos" como estamos vivendo, em progressiva gestação, há mais de um ano e experimentando, com especial virulência, no último mês e, muito particularmente, nestes últimos dias. Está evidente agora que a paralisia de crédito é a expressão de uma crise global de confiança que extrapolou de muito o mercado interbancário e começou a afetar o chamado setor real e as perspectivas de crescimento.
Vale lembrar que um ano atrás, no dia 9 de outubro de 2007, apesar de a crise estar clara desde agosto, a Bolsa de Nova York chegou ao nível mais alto de sua história, estimulada pela decisão do banco central norte-americano de dar início, em setembro, à trajetória declinante de sua taxa básica de juros, então em 5,25%. As bolsas reagiram com entusiasmo. Afinal, em outubro de 1987 quando a bolsa nova-iorquina teve a maior queda porcentual de sua história (até hoje) num único dia e o pânico tomou conta dos mercados, o Fed reduziu os juros três vezes em seis semanas e a situação se normalizou. Em setembro de 1998, quando a crise da moratória russa e a falência de um grande hedge fund levaram a outro começo de pânico, o Fed reduziu os juros por três vezes em sete semanas e o pânico se foi. A minirrecessão de 2001, agravada pelo ataque às torres gêmeas, em 11 de setembro, levou a outro surto de pânico, também contido por três reduções de taxa de juros em sete semanas, redução que continuou até o 1% de junho de 2003. Talvez muitos tenham imaginado que, em último caso, esta seria sempre a opção salvadora, amplamente testada, para crises de confiança e liquidez. O que explicaria a complacência que se instaurou nos mercados: o Fed estaria sempre atento. E, afinal de contas, o mundo estava experimentando o mais forte, o mais longo e o mais amplamente disseminado ciclo de expansão da história moderna.
Pois bem, na crise atual, não apenas os juros norte-americanos foram reduzidos de 5,25% para 1,5%, mas vários outros bancos centrais, em ação concertada, fizeram o mesmo nas últimas semanas. Um enorme arsenal de medidas vêm sendo tomadas por vários países desenvolvidos. Bancos centrais passaram de emprestadores de última instância a incorporar transitoriamente funções de compradores de última instância, de "market makers" e de "match makers" de última instância. Tesouros passaram a ter autorização legal para capitalizar bancos privados, comprar ativos de suas carteiras e oferecer garantias totais a depositantes e aplicadores. Bancos centrais e Tesouros passaram a estender um volume crescente de recursos a um número crescente de instituições bancárias e não bancárias, aceitando garantias de maior risco do que as que normalmente exigiriam.
A prioridade absoluta é afastar o pânico, fazer com que voltem a funcionar o sistema de pagamentos e o mercado interbancário - e presidir um processo ordenado de venda de ativos, capitalização e consolidação do sistema bancário que passará, inevitavelmente, por um schumpeteriano processo de "destruição criadora". E os bancos que restarem serão submetidos a uma supervisão e uma regulação mais eficazes que no passado.
Tomará tempo. Será duro. Afinal, as medidas excepcionais fazem sentido, mas vieram tarde para evitar que o pânico se instalasse. Os discursos do presidente Bush - como, de resto, de qualquer presidente isoladamente -, a esta altura, não terão maior efeito sobre os mercados. Só a efetiva implementação do programa de emergência aprovado pelo Congresso americano, um relativo sucesso do programa da retirada dos ativos tóxicos dos balanços dos bancos e um grau de cooperação internacional nunca antes alcançado dentre os principais Tesouros e bancos centrais dos países desenvolvidos.
E o Brasil? Bem o País só teria a ganhar se, além de contar, como conta, com um Banco Central atento e agindo, fosse capaz de deixar de lado discursos de palanque, bravatas e bazófias e mostrar que entende a gravidade do momento e que, portanto, entre outras coisas, não só vai revisar imediatamente o Orçamento de 2009, como as metas fiscais indicativas para o próximo triênio.
Os países relativamente menos afetados pela crise serão os mais capazes de mostrar com atos, e não discursos, sua capacidade de resposta à crise, retendo assim a confiança possível do resto do mundo.
Pedro S. Malan, economista, foi ministro da Fazenda no governo FHC E-mail: malan@estadao.com.br