Parecia filme de Pedro Almodóvar.
Mas era a reunião anual do FMI e do Banco Mundial. Governos, bancos e investidores estavam à beira de um ataque de nervos. Costumo ir todo ano. Desta vez foi previsivelmente diferente.
Em Washington, as autoridades econômicas freneticamente buscavam soluções para a maior crise que enfrentam desde a Grande Depressão.
Os investidores já não possuíam a confiança de outrora. Em Nova York, havia protestos contra os bancos, na famosa Wall Street. Trigêmeas maquiadas e bem vestidas encenavam pedir esmolas com uma mão, com a bolsa abarrotada de dinheiro na outra.
Logo após a reunião anual, os governos foram anunciando em seqüência pacotes de ajuda financeira. Os dois pilares dos planos têm sido capitalizar os bancos e assegurar os depósitos com recursos públicos. Dessa forma, o sistema financeiro não quebra, nem sofre corrida por parte dos depositantes. Com isso evita-se o pior: sem crédito e capacidade de pagamento corria-se o risco de paralisia também na economia mundial.
Tudo indica que esse pior cenário está sendo evitado. Isso é um alívio considerável para aqueles que estavam à beira de um ataque de nervos, prevendo o colapso mundial, o fim do capitalismo, ou similar.
Mesmo evitando-se o pior, sobra o ruim. É provável que ainda tenhamos duas conseqüências negativas desta crise. Primeiro, haverá um encolhimento do sistema financeiro internacional, que deve ocorrer de forma acelerada nos próximos anos.
Nesse processo, bancos e outras instituições financeiras continuarão buscando elevar o seu capital e reduzir os seus ativos de risco e a oferta de crédito aos seus clientes. Segundo, na medida em que a oferta de crédito torna-se menor, e a crise financeira e imobiliária reduz a riqueza disponível das empresas e famílias, o investimento e o consumo no mundo devem continuar sofrendo, gerando uma recessão nos países avançados e uma desaceleração acentuada no mundo.
Nas últimas semanas, a fase aguda da crise internacional impactou o Brasil.
A falta de crédito se espalhou e a liquidez se concentrou em poucos bancos e companhias. A crise também significou uma depreciação do real, já que os investidores estrangeiros se retraíram. Ao mesmo tempo, algumas companhias brasileiras tiveram perdas significativas com a depreciação do real em função de apostas desinformadas ou irresponsáveis.
O Banco Central do Brasil (BC) reagiu à falta de crédito e de dólares no mercado, assim como à concentração de liquidez na mão de poucos.
Entre várias medidas, reduziu significativamente o recolhimento compulsório (depósitos que os bancos são obrigados a recolher ao Banco Central), beneficiando principalmente bancos pequenos e médios, fez leilões de dólares e de “linha” (essencialmente emprestou dólares por prazo determinado) e, recentemente, leilões para irrigar o comércio exterior.
Após as medidas do BC e o anúncio dos planos no mundo, há um incipiente alívio nos mercados brasileiros.
O pior parece ter sido evitado.
Mas, assim como no exterior, ficamos ainda com o ruim. A falta de crédito generalizou-se. Há uma ameaça concreta de que os investimentos sofram uma parada brusca.
A administração da liquidez e os leilões de câmbio devem permanecer por algum tempo ainda. O que mais pode ser feito? Em primeiro lugar, evitar erros. O Brasil não é uma ilha de tranqüilidade no meio desta crise secular no resto do mundo. Não é o momento de artificialmente tentar manter o crescimento e pressionar a conta corrente, o que, num ambiente sem financiamento internacional adequado, levaria à depreciação do câmbio e à inflação.
Em segundo lugar, talvez seja o momento de reverter políticas que foram adotadas no passado e que, dada a conjuntura atual, carecem de justificativa. Por exemplo, poderia se remover o IOF de 1,5% sobre as entradas de recursos de estrangeiros no Brasil, o que beneficiaria o Tesouro e contribuiria com os esforços atuais do BC.
Em suma, os governos têm evitado o pior, mas ainda há muita crise a enfrentar no mundo e no Brasil.
Entrevista:O Estado inteligente
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