A oposição renasceu
O senador faz autocrítica, diz que acabou
a era dos aumentos de impostos no Brasil
e destaca virtudes do presidente Lula
Otávio Cabral
Cristiano Mariz | "Temos de continuar com essa oposição mais dura, pois estamos diante de um governo que prima pela má-fé, que abusa do cinismo" |
Líder do PSDB no Senado desde 2003 e completando trinta anos de carreira política, o amazonense Arthur Virgílio vive, neste início de 2008, seu momento de maior popularidade. Protagonista da rebelião dos senadores que impediu a prorrogação da CPMF, ele capitalizou politicamente a pior derrota do governo Lula nos últimos cinco anos. Na quarta-feira passada, Arthur esteve em Brasília pela primeira vez desde a queda do imposto do cheque. Passou duas horas em uma churrascaria e foi cumprimentado por pelo menos vinte pessoas. O tucano está satisfeito com a repentina notoriedade num momento em que alguns de seus colegas se esgueiram pelos cantos, mas reconhece que a oposição poderia estar melhor se tivesse feito antes o que seus eleitores esperavam dela: exercer o papel de oposição. Nos cinco primeiros anos do mandato de Lula, o PSDB foi tão comedido que chegou a ser tachado ironicamente de força auxiliar do governo. A batalha da CPMF injetou disposição oposicionista no partido, que promete barrar qualquer aumento de imposto, seja ele qual for. Diplomata de formação, Arthur Virgílio pretendia se dedicar à conclusão de uma tese no Itamaraty sobre o papel do legislativo na formulação da política externa brasileira. Mas a notoriedade recente pode fazê-lo trocar a vida acadêmica por novos desafios na política. Em entrevista a VEJA, ele fala do governo Lula e das perspectivas da oposição para as próximas eleições presidenciais.
Veja – Pela primeira vez nos últimos cinco anos a oposição conseguiu uma vitória ao impedir a prorrogação da CPMF. É difícil assim fazer oposição ao governo Lula?
Arthur – o PSDB e o DEM foram injustiçados porque o padrão de oposição que se conhecia no Brasil democrático era o do PT, mais histérico do que programático, que não era bom para o país. Nós tentamos criar um padrão diferente, que era dizer não ao que fosse inconcebível, e dizer sim ao que fosse bom. Erramos muito no primeiro mandato por falta de experiência e de cacoete oposicionista, até acharmos a tática ideal. Agora, vamos sempre procurar dissidentes da base aliada para, juntos, fiscalizarmos os atos do governo.
Veja – Isso quer dizer que o comportamento da oposição vai mudar de agora em diante?
Arthur – Temos de continuar com essa oposição mais dura, pois estamos diante de um governo que prima pela má-fé, que abusa do cinismo. A divulgação desse pacote de compensação da CPMF foi muito importante porque desmascarou o presidente Lula, que mentiu, e desacreditou suas lideranças políticas. O ministro José Múcio (Relações Institucionais), que é um deputado operoso, ficou reduzido a um cantor de serestas da Corte. Politicamente, está acabado. O pacote mostrou que o ministro é ignorado pelo presidente e não tem mais autoridade para negociar em nome do governo. Além disso, a derrubada da CPMF foi um golpe mortal nessa história de terceiro mandato para Lula.
Veja – Como assim?
Arthur – Os petistas, desesperados com a perspectiva de deixar o poder, alimentavam a fantasia de mudar a Constituição para permitir que Lula se can-didatasse ao terceiro mandato consecutivo. Se eles não conseguiram aprovar nem a prorrogação da CPMF, imagine o terceiro mandato. Foi uma demonstração nítida para o presidente Lula e seus áulicos de que o Congresso não compactua com essas loucuras. O assunto está encerrado, e o país vai marchar para o pleito de 2010 em plena normalidade e com respeito às regras vigentes.
Veja – Como a oposição pode cantar vitória com um pacote de aumento de impostos sendo anunciado logo depois da festa pelo fim da CPMF?
Arthur – Esse aumento de impostos não será aceito pacificamente. Vamos fazer da tramitação dessas propostas um Afeganistão para o governo Lula. Vamos usar todos os prazos, todas as armas, até derrubar essas medidas arbitrárias. O fim da CPMF deixou claro que o governo não conseguirá mais aprovar no Congresso projetos que aumentem a carga tributária. A sociedade não agüenta mais pagar tantos impostos, e o Congresso mostrou que é caixa de ressonância da sociedade nessa questão.
Veja – Há como compensar a perda de arrecadação sem aumentar impostos?
Arthur – Dá para viver perfeitamente sem a CPMF. Basta cortar vinte dos 37 ministérios, que são inúteis, e 70% dos cargos de confiança que foram ocupados politicamente por pessoas cujo único mérito é pagar religiosamente dízimo a seus partidos, a começar pelo PT; cortar 60% das emendas parlamentares linearmente, tanto do governo quanto da oposição; cortar gastos supérfluos. Este é o governo do emolumento, da burocracia, que é prima da lentidão, que é irmã da corrupção. Não é necessário mexer em gastos essenciais ou em investimentos, mas cortar onde há desperdício.
Veja – Esse discurso de oposição mais radical não vai de encontro ao que pregam figuras influentes do partido, como os governadores José Serra e Aécio Neves, que, aliás, eram a favor da manutenção do imposto do cheque?
Arthur – Os governadores têm de entender que precisamos apartar nossas farinhas, como diz o caboclo amazonense. A farinha dos senadores é fazer oposição, é fiscalizar o governo. A farinha dos governadores é governar, e isso implica dialogar mais com o governo. O que fazem Serra e Aécio não é muito diferente do que fizeram Zeca do PT (então governador petista de Mato Grosso do Sul) e Jorge Viana (então governador petista do Acre) no governo FHC. Mas, no fundo, governadores e parlamentares estão empenhados em derrotar o governo Lula nas urnas e levar o PSDB e seus aliados de volta à Presidência.
Veja – A política econômica de Lula é muito semelhante à adotada pelo PSDB. Quando Fernando Henrique perdeu a CPMF, também aumentou impostos para compensar. Qual é, no fundo, a diferença entre petistas e tucanos?
Arthur – Uma diferença fundamental é o compromisso democrático, que é muito mais arraigado no PSDB do que no PT. O PSDB não compactuaria jamais com um regime ditatorial como o de Hugo Chávez. O PSDB não perderia tempo acreditando nas balelas do senhor Evo Morales. O PT também parecia dar mais importância à ética, mas no governo essa preocupação se perdeu. Nós também temos muito mais capacidade gerencial, inegavelmente.
Veja – Os tucanos cobram do governo petista reformas necessárias, como a tributária. Mas nos oito anos de mandato do presidente Fernando Henrique elas também não foram feitas...
Arthur – Só há possibilidade de fazer essas reformas no primeiro ano de mandato, quando a força das urnas dá poder ao presidente. Em toda reforma alguém perde, portanto é preciso criar fundos de compensação e ter coragem para enfrentar os prejudicados. Sou um fã do presidente Fernando Henrique, talvez o maior. Sou o único senador que tem foto dele no gabinete. Mas tenho de admitir que nosso governo falhou ao não insistir nas reformas, principalmente a tributária. Se tivéssemos tido em relação às reformas o mesmo empenho que tivemos para adotar a reeleição, elas teriam sido aprovadas.
Veja – Como líder da oposição, o que o senhor vê de bom no governo Lula?
Arthur – O presidente teve a competência e a coragem de ampliar as políticas macroeconômicas que herdou. Em vários momentos, os resultados não apareceram e o ministro Palocci foi muito questionado, mas Lula teve o mérito de bancá-lo. Na política externa, apesar de sofrer muitas críticas, teve o mérito de ser mais agressivo na relação comercial com a Ásia. Mas a relação com os Estados Unidos foi muito falha, deveria ser a prioridade. Talvez Lula tenha sentido falta de quebrar vidraças da embaixada americana quando era jovem e queira quebrá-las simbolicamente agora. O governo teve o mérito de aproveitar e aprofundar os programas sociais que herdou, mas o demérito de unificá-los, porque tirou o foco e os transformou em uma máquina eleitoral.
Veja – O PSDB afirma que o programa Bolsa Família é eleitoreiro. Em um eventual governo tucano, o programa será extinto?
Arthur – Os programas sociais têm de ser ampliados, aperfeiçoados, mas precisam ter portas de saída. Nós não queremos clientela para nos eleger a vida inteira, como é o caso dos petistas. O Brasil já dispensou muito tempo em políticas sociais compensatórias. Ficar a vida toda com essas políticas é aprofundar a pobreza no pior estilo do populismo latino-americano. No próximo governo, temos de começar a emancipar as famílias, incluí-las no mercado de trabalho convencional, colocar seus filhos na escola, com atendimento digno de saúde. Torná-las cidadãs de fato.
Veja – Se o governo Lula tem tantos problemas, tanta incompetência como a oposição aponta, por que foi reeleito em 2006 e seus índices de popularidade são tão elevados?
Arthur – O presidente Lula é um líder de massas, o maior que o país já teve desde Getúlio Vargas. Ele sempre foi identificado com causas populares. Ele é o principal protagonista da história das eleições presidenciais diretas brasileiras. Disputou todas depois do fim do regime militar, a maioria em dois turnos. Isso dá a ele uma grande base eleitoral; mesmo quando perdeu foi muito bem votado. E soube usar a política econômica que herdou, aproveitou-se da boa situação da economia mundial e soube utilizar os programas sociais como uma máquina eleitoral, com muito assistencialismo. Ele exerce a figura pessoal do presidente com uma sede política nunca vista. Desde o "nunca antes neste país" até os seguidos discursos direcionados para a população mais carente, falando na mesma linguagem do povo. O carisma dele é inegável.
Veja – Mesmo assim, depois do escândalo do mensalão, prosperou na oposição a tese de que houve um erro político ao não pedir o impeachment de Lula naquele momento...
Arthur – Nós acertamos. A abertura de um processo de impeachment traria um desgaste enorme ao país. Um processo de impeachment tem vários pés, é quase uma centopéia. É preciso motivo jurídico, que havia de sobra. Tem de ter crise de governabilidade, que não havia. Tem de ter desorganização de base parlamentar, que não havia. Precisa de clamor das ruas, que não havia. Se mesmo assim levássemos o processo adiante, enfrentando alguém que não queria deixar o cargo, o país seria dividido em dois, com choque de rua, seria pior do que na Venezuela. Não faria bem para a economia brasileira, passaríamos ao mundo a imagem de um país instável, que derruba um presidente a cada treze anos. Acho que o povo brasileiro errou ao reelegê-lo apesar de toda a crise. Mas todos os erros e acertos da população contribuem para a consolidação da democracia. Fazem parte do processo civilizatório de um país errar e acertar.
Veja – Qual o melhor candidato do PSDB à sucessão de Lula, José Serra ou Aécio Neves?
Arthur – Serra sai na frente, de acordo com as pesquisas, seguido por Aécio. Mas deveríamos testar mais nomes, como o meu. Não vejo por que o candidato do partido tenha de ser um governador. Fernando Henrique não foi governador, era senador como eu, e foi um excelente presidente. O mais importante para o partido é que está definido que o candidato será escolhido em eleições primárias, como nos Estados Unidos. As prévias servem para testar vários nomes e definir quem tem a capacidade de unir o partido. Com a ação do PSDB na CPMF, a militância está mobilizada. Meu nome estará nas primárias do PSDB para definir o candidato à Presidência da República.
Veja – O senhor está fazendo é uma provocação aos candidatos naturais do partido, não é?
Arthur – Não. Com a derrubada da CPMF, eu ganhei ainda mais destaque nacional. Perder eleição, como perdi no Amazonas em 2006, não é impedimento para ser candidato a presidente. Serra perdeu eleição para prefeito de São Paulo e para presidente. Lula perdeu uma centena de eleições. Fernando Henrique perdeu a prefeitura de São Paulo para Jânio Quadros. Serra é pole position, sem dúvida nenhuma, mas meu carro também estará no grid de largada tucano.
Veja – Com um governo tão popular e com todos esses méritos pessoais, acredita-se que Lula será um grande eleitor em 2010. Qual a estratégia do PSDB para amenizar essa influência do presidente na sucessão?
Arthur – O prestígio de Lula é pessoal e ele não será candidato a nada em 2010. A situação do PT e dos aliados será difícil, pois eles não têm um candidato natural. Numericamente, o nome mais viável é Ciro Gomes, mas duvido que ele tenha o apoio de Lula e do PT. Lula não se esforça por ninguém, por nenhum aliado, isso é histórico. Como quer voltar à Presidência em 2014, não será tão ruim para ele a eleição de alguém da oposição. Portanto, sua influência não será tão grande. Não consigo vislumbrar alguém que derrote um tucano em 2010. Basta que o partido chegue unido às eleições, desinflando seus egos.