Entrevista:O Estado inteligente

domingo, janeiro 13, 2008

Uma entrevista de FHC: a estratégia Kassab, Alckmin e Serra

Excelente a entrevista do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso no caderno Aliás do Estadão deste domingo. Fala sobre a política brasileira, a economia e a situação internacional com a elegância e o rigor intelectual costumeiros, mesmo que se possa discordar disso ou daquilo. Embora os petistas fiquem sempre furiosos com FHC, a verdade é que, às vezes, ele é condescendente com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ao tucano, como se sabe, foi atribuída a articulação que derrubou a CPMF. Há nisso certo exagero. Mas é evidente que continua a ser um bom estrategista. Vejam, por exemplo, este trecho da entrevista concedida a Laura Greenhalgh e Fred Melo Paiva:

O que acha de Gilberto Kassab?
Tem sido um bom prefeito para São Paulo. Se você pensar estrategicamente, seria ótimo que a aliança dele com o PSDB se mantivesse agora, nas eleições municipais, e que o Geraldo (Alckmin) pudesse disputar o governo estadual, o que liberaria o Serra para disputar a presidência.

O sr. então encaminharia as coisas dessa forma?
Trabalharia estrategicamente.

Significa então que o sr. iria de Serra em 2010?
Hein? Não necessariamente. 2010 está muito longe. Voltando à disputa em São Paulo: a capacidade que as lideranças têm de influenciar é limitada pelas pesquisas de opinião pública. Se um sujeito tem 10 pontos nas intenções de voto e o outro tem 30, o partido vai com quem tem mais. O novo, aqui, é que o Kassab está subindo. No caso da sucessão de Lula, não dá para dizer nada, embora hoje o Serra tenha mais pontos do que o Aécio.

Voltei
O raciocínio acima não é estranho aos leitores habituais deste blog. De fato, tem faltado aos tucanos esse tipo de articulação estratégica. O caso da coligação PSDB-DEM é exemplar. Podem-se encontrar muitos motivos para a eleição de Lula em 2002 — repisando, inclusive, a máxima de que “foi a economia, idiota” a causa de tudo. Um olhar mais cuidadoso, acho eu, vai evidenciar que “foi a política, idiota” que levou Lula à Presidência: justamente quando a aliança PSDB-PFL rachou e se abriu a possibilidade de o PT constituir um novo pólo de poder.

Se o PSDB conseguir pensar estrategicamente, vai-se lembrar disso. E, claro, é preciso que Alckmin também passe a trabalhar para o partido — e não apenas pensando na própria trajetória política. Impôs a sua candidatura em 2006, com os resultados conhecidos. E, agora, ameaça fazer o mesmo. Na eleição presidencial, estava longe de ser o favorito ou mesmo o preferido entre os eleitores tucanos. Mas fez valer a tese do “potencial de crescimento”. Agora que aparece na frente, embora em queda, mudou a teoria: tem de ser o candidato porque ainda é o favorito.

Ora, o que indica o bom senso? Que o outro pólo de poder àquele liderado agora pelo petismo só pode ser construído na união do DEM com o PSDB — e essa costura, hoje, passa por São Paulo. Ademais, não se está pedindo sacrifício nenhum ao ex-governador. Ao contrario: ele também surgiria como favorito ao Palácio dos Bandeirantes em 2010. Ocorre que FHC está falando de estratégia, o que é ainda é charada grega para muitos tucanos. Mais aqui
Leia ainda:
”Na hora de governar, Lula sabe como agradar a elite”

a entrevista: 'Uma estratégia: Kassab, Alckmin e Serra'

Para Fernando Henrique, faria sentido manter a aliança com Gilberto Kassab nas próximas eleições. Geraldo disputaria o governo de São Paulo. E José Serra estaria liberado para concorrer à Presidência

O que acha de Gilberto Kassab?

Tem sido um bom prefeito para São Paulo. Se você pensar estrategicamente, seria ótimo que a aliança dele com o PSDB se mantivesse agora, nas eleições municipais, e que o Geraldo (Alckmin) pudesse disputar o governo estadual, o que liberaria o Serra para disputar a presidência.

O sr. então encaminharia as coisas dessa forma?

Trabalharia estrategicamente.

Significa então que o sr. iria de Serra em 2010?

Hein? Não necessariamente. 2010 está muito longe. Voltando à disputa em São Paulo: a capacidade que as lideranças têm de influenciar é limitada pelas pesquisas de opinião pública. Se um sujeito tem 10 pontos nas intenções de voto e o outro tem 30, o partido vai com quem tem mais. O novo, aqui, é que o Kassab está subindo. No caso da sucessão de Lula, não dá para dizer nada, embora hoje o Serra tenha mais pontos do que o Aécio.

FHC NO PT?

Conta-se o seguinte caso a seu respeito: nos anos 70, o sr. teria passado por Paris atrás do ex-governador de Pernambuco, Miguel Arraes, no exílio, para lhe propor a fundação de um partido dos trabalhadores no Brasil. Isso é verdade?

Sim. Mas não era um partido dos trabalhadores nos moldes do que viria a acontecer, pois nem o Arraes pensava dessa forma. A minha divergência com aqueles que queriam fundar o PT no Brasil era clara: com resquícios leninistas, eles pretendiam formar um partido de classe, que iria, digamos, mudar o mundo. Já eu imaginava um partido que se voltasse para a massa de assalariados, não só para os setores sindicalizados. Insistia na idéia de algo mais amplo, policlassista. Vejam que ironia: 20 anos depois, os petistas ficaram com posição semelhante à que eu tinha na época. Vou dizer uma coisa: em termos ideológicos, Lula sempre esteve mais próximo de mim. Ele não vai admitir, mas é verdade.

LULA, UM CONSERVADOR

O sr. deve ver algumas virtudes no presidente, não?


Quem é o fiel do governo? Quem impede o travamento do processo de modernização do País? É o Lula. Há quem diga que o Palocci entendeu o processo logo, mas quem foi o fiador do Palocci? O Lula. E não o contrário. Ele mantém o Henrique Meirelles no Banco Central, ao mesmo tempo em que lida com ministros que dão sinais contrários, como Guido Mantega. Coloca o Paulo Bernardo no Planejamento, porque sabe que a cabeça dele é afinada com o BC. Tem noção de equilíbrio. Em campanha defende o povo, no governo agrada à elite.

O senhor diria que o presidente superou o partido?

Ah, não tenho dúvida. Ele não dirá isso nunca, porque vai precisar do partido, mas tem posição mais aberta. Na verdade, Lula nunca foi um quadro ideológico, o que lhe dá vantagens. Ele diz que é uma metamorfose ambulante. Isso não é negativo. A minha crítica é que Lula governa sem saber bem o rumo.

Governa instintivamente?

É um grande tático. Mas estrategista nunca foi.

O senhor acredita no zunzunzum sobre o terceiro mandato?

Lula é mais conservador do que inovador. É difícil que se jogue numa posição tão polêmica e controvertida como essa. O Zé Dirceu disse uma vez que, diante de duas opções, uma mais transformadora e outra menos, Lula ficará com a segunda. Por outro lado, dentro do PT sempre haverá gente pensando assim: “E nós? Sem o Lula não elegeremos governadores, não faremos a grande bancada”. O zunzunzum vem daí e será permanente.

NÃO AO IMPEACHMENT DE LULA

Ainda hoje o senhor acha que foi bom passar a faixa para Lula?


Sim. Passei com satisfação porque do ponto de vista histórico aquilo era importante. Entregamos o poder aos sindicalistas, essa é que é a verdade. Do ponto de vista sociológico, uma nova camada da sociedade chegou ao poder e o que acontece hoje no Brasil é fruto dessa ação. Quando se discutiu a possibilidade de impeachment do Lula, não entrei na conversa. Politicamente havia uma situação inequívoca, pois ficou demonstrado que o publicitário dele (Duda Mendonça) recebeu dinheiro no exterior para fazer a campanha a presidente. Qualquer prefeito do interior que tivesse uma acusação dessas nas costas seria cassado! Mas preferi pensar no País. Como enfrentar o impeachment de um presidente operário, um imigrante do Nordeste que pela primeira vez chega à Presidência? Que marcas isso iria deixar no Brasil? Eu me opus inclusive à idéia de deixar o Lula se desgastando lentamente, sangrando. Veja o que aconteceu com Getúlio Vargas. Veja o que aconteceu com Salvador Allende, no Chile. Veja o que se passou na Argentina. Não se quebra desse modo um líder político que vem de baixo, num país com uma desigualdade como a nossa.

Em matéria da revista ‘Piauí’, José Dirceu diz que agora trabalha para o capitalismo. O que o sr. acha disso?Eu li. Não sei de que capitalismo ele fala, mas me pareceu honesto dizer isso. Também contou que propôs de início o que Lula faria depois, a aliança com o PMDB. É verdade. E revelou amargor consigo mesmo. É uma pessoa ultra-realista.

EDUCAÇÃO COM REVOLUÇÃO

Um estudo comprovou que, no Brasil, a desigualdade de educação é maior do que a de renda. O sr. já pensou nisso?


Muito. Veja que o mundo ainda não é sinocêntrico, mas a China está aí, crescendo fortemente. Essa China que hoje nos ajuda, porque sobe o preço das commodities, é a mesma que vai nos atrapalhar. Ela faz crescer nossas exportações, aumenta nosso superávit comercial, valoriza muito o real. Mas, como somos um país industrializado, cria dificuldades para as nossas manufaturas. Isso significa que o Brasil terá de tomar decisões estratégicas. Seja qual for a aposta, dependerá da educação.

Por quê?

Para manter o que formamos a duras penas, ou seja, toda uma base industrial e de serviços, sem falar na agricultura, que também se modernizou, teremos de ampliar nossa capacidade tecnológica - em suma, nossa capacidade educacional. É importante fazer geladeira e automóvel? Sim, mas isso já sabemos fazer. A hora é de se preparar para o que vem pela frente. A China faz isso. Ela hoje compete conosco em têxteis e calçados. Amanhã vai competir em automóvel e avião. Então, volto àquele ponto: o problema do governo não é o bolso. É a cabeça. O que não é ruim, pois o Brasil mudou de patamar e os nossos problemas passam a ser mais qualitativos. É sintoma de que estamos virando um país melhor. Mas só vamos assegurar o futuro, e aqui uso uma expressão que ficou banal, se fizermos a revolução da educação. Sugiro uma coisa arriscada: por que não pensar nos recursos do petróleo para financiar, a longo prazo, essa revolução?

O senhor está apostando que vai entrar muito dinheiro do petróleo.

É o que dizem. O (empresário) Eliezer Batista, um homem que sabe pensar, me influenciou bastante quando eu era ministro das Relações Exteriores. Ele dizia: temos que aproveitar a nossa base natural para preparar os cérebros. Temos recursos naturais abundantes e gente com competência técnica para extraí-los, mas, pra quê? Que sentido vamos dar a isso? Existe um novo Brasil, concordo. Só que o Lula pode estrebuchar o quanto quiser, mas este Brasil vem lá de trás. E temos buracos a tapar. Deixando de lado a infra-estrutura, a agenda do País é: educação, segurança, justiça e democracia.

Então, vamos por partes.

Se o PSDB tiver juízo, deve detalhar programas para cumprir essa agenda, num horizonte de oito anos. O partido deveria se concentrar nisso e não ficar se perdendo em muitas questões. Com o road map nas mãos, o caminho está dado. Falta saber como pavimentá-lo. Quando cheguei à presidência levei um programa comigo. Agora temos de fazer outro - o Brasil Real. Seria um bom nome, porque lembraria o Plano Real, não é? A verdade é a seguinte: é mais fácil estabilizar a economia. Você identifica o problema e conta com instrumentos de combate. Isso não acontece na educação. Nem na segurança, porque tem de mudar as leis de execução penal, as polícias, as mentalidades.

DROGAS E VIOLÊNCIA

Assistiu ao filme ‘Tropa de Elite’?


Sim. Achei importante, porque mostrou algo que em geral se esconde. Que a classe média consome. No Brasil, está tudo excessivamente vinculado à repressão. Se não dermos ênfase à questão do consumo, não vamos ganhar a guerra.

A liberação seria um caminho?

Não sei, mas quero estudar isso. Agora, na base da repressão não vai, tenho certeza. O tráfico só cresce, metendo-se nas polícias, na política, minando tudo.

Como ganhar a guerra da violência urbana?

Os Estados são responsáveis por uma parte da segurança pública e o governo federal, por outra. A rigor, isso não nos leva a um trabalho articulado, porém este o caminho. Em São Paulo, taxas de homicídio e seqüestro vêm caindo. Em Minas, também. O Rio tenta o mesmo, mas ainda investe demais em repressão. São Paulo, a meu ver, tem um outro problema: construiu muito presídio e o Estado prende mais do que pode. O ataque do PCC foi decorrência disso.

A ALMA DA DEMOCRACIA

Na agenda do País, o sr. também citou o tema “democracia”.


E não estou falando apenas de representação política. É algo maior. Escrevi há pouco o capítulo final para o livro Democracy at Risk, que vai ser lançado pelo Clube de Madrid, e disse o seguinte: no Brasil, temos toda a arquitetura da democracia, mas ainda não temos a alma da democracia - que é a crença na igualdade, na lei, na Justiça. Quem está preso neste país? O juiz Lalau. E preso em casa. Talvez alguns doleiros, também. Mas faz-se todo esse barulho e, quando nos damos conta, a coisa já morreu.

Em livro recente, o historiador Eric Hobsbawn diz que a democracia, tal como a conhecemos, não está dando conta dos desafioeduzir a noção de democracia à representação e ao liberalismo, é verdade. Mas há outros níveis de compreensão da democracia, como a igualdade e a liberdade. E é preciso harmonizá-los. Se reduzir democracia à liberdade, não vai satisfazer a igualdade. Se concentrar na igualdade, poderá sacrificar a liberdade. Qual é a mistura ideal? Varia de país para país. Não posso pensar, para o Brasil, na democracia dos founding fathers americanos. Aqui sempre haverá preocupação maior com o coletivo, com a solideriedade. Por outro lado, vejam as barbaridades que estão acontecendo no Quênia. Na África, países foram recortados pelo colonialismo, misturando tribos. Deram-lhes fachadas democráticas, mas a violência explode. Não dá para implantar a democracia a marteladas.

E essa voga de consultas populares e plebiscitos?

É uma confusão. Plebiscito é aplicável sob circunstâncias muito bem definidas. Fora disso, dá margem a manipulações. Que fique claro: democracia implica algum grau de deliberação consciente. Sempre. Hitler foi eleito, Mussolini fazia comício para milhões, ditadores, não só africanos, fazem eleições plebiscitárias e ganham por maioria. É democracia? Experimentem colocar a pena de morte em plebiscito no Brasil. Ganha fácil. É a melhor solução? Democracia direta num cantão suíço pode funcionar. Mas não funciona numa sociedade de massas porque o risco de manipulação é alto. Qualquer um com entrada nos meios de comunicação leva. Não se forma opinião. Forma-se torcida.

BOLSA NÃO ELEGE PRESIDENTE

O Bolsa-Família já é moeda eleitoral comparável ao Plano Real?


Dmo, que tem aumento real desdifícil. Uma coisa é receber o dinheiro pela primeira vez. Outra é se acostumar ao benefício. Em termos eleitorais, amortece o impacto. Esse tipo de política social vem sendo pregado há muito tempo. E aperfeiçoado -no México, Chile, aqui... No Brasil, primeiro houve o Funrural, que já era uma política de distribuição de renda. Depois veio a Lei Orgânica de Assistência Social (Loas), o Vale-Gás, a Bolsa-Escola, a Bolsa-Maternidade. Somando tudo, em meu governo devemos ter atingido dez milhões de pessoas. Ou mais. Daí veio o Lula, juntou tudo e chamou de Bolsa-Família. Não fiz isso porque achei que poderia haver manipulação política e gerar mais burocracia. Não deu outra: eles até criaram um ministério para isso. De todo modo, a diminuição da pobreza não se deve só às bolsas. Deve-se ao salário mínie 93.

A bolsa social é um paliativo?

É paliativo, se não for conjugada a uma política de geração de empregos. Aumentar consumo, essas bolsas aumentam. Mas toda política social compensatória precisa ter porta de entrada e de saída, do contrário é ruim. A Bolsa-Escola, por exemplo, tinha uma clara porta de saída: terminou a escola, terminou a bolsa. No caso das gestantes, terminou a gravidez, terminou a bolsa. No Bolsa-Família, isso ficou confuso. Como vai ser a saída? Não está pensado. Agora ampliaram a faixa de atendimento do programa. É preciso ver se não há duplicação no atendimento. Eu não ando pela periferia de São Paulo, mas a Ruth (Cardoso, antropóloga e ex-primeira-dama) anda. E constata que há uma oferta grande de bolsas sociais - a do município, a do Estado, a do governo federal. Isso, num primeiro momento, pode ser bom. A longo prazo, pode criar uma camada de dependentes do Estado.

Há quem sustente que, com a unificação dos programas sociais no Bolsa-Família, os coronéis do Nordeste perderam terreno.Tanto que o PFL, tradicional partido desses senhores, teve que se refundar.

Lula pode ter desalojado o coronelismo no Nordeste, mas pode vir aí com o coronelismo dele. Se houver uma apropriação pelo governo de uma política que é do Estado, isso acontecerá. Não se esqueçam de que o cadastramento no programa Bolsa-Família é feito pelos prefeitos. Isso aumenta a influência dos políticos locais e pode criar uma linha direta com o presidente, esvaziando o papel dos Estados. Rejeitei a idéia de criar nas classes desfavorecidas essa dependência simbólica. Paguei um preço, mas, republicanamente, agi bem. Sempre tive horror à idéia de ser o pai dos pobres.

O Bolsa-Família pode eleger o próximo presidente?

Não. Nem o Lula foi reeleito por isso. O jogo é mais complexo.

UM GIRO PELA AMÉRICA LATINA

Com a possibilidade de haver muito petróleo em águas profundas, o governo brasileiro pode tornar-se tão auto-determinado quanto o governo do presidente Hugo Chávez?


Celso Furtado fez uma análise interessante sobre a Venezuela. Ele mostrou que a tragédia do país era ter petróleo. Porque ele só tem petróleo. No mais, é muito pobre. Lula não imitaria Chávez. Primeiro, porque desconfio que não vamos encontrar tanto petróleo assim. Depois, porque o Brasil tem maturidade institucional. O cientista político argentino Guillermo O’Donnel fala em presidências delegativas na América Latina. Ou seja, em certos países passa-se tudo para as mãos do presidente. O sujeito governa por cima de todos e de tudo. Aqui, não. Nossa ordem institucional é mais rica e a nossa sociedade civil, mais vibrante.

Olhando os governos Chávez, Morales, Ortega, Kirchner, o populismo está forte ou perde o fôlego?

O que vejo na Bolívia não é populismo, não. Há uma reivindicação cultural dos indígenas. Na Argentina sente-se esse populismo em controle de preços, coisas assim. O Lula é populista? Ele é popular. E a política econômica dele não tem absolutamente nada de populista.

O protagonismo de Chávez na região significa uma oportunidade de liderança perdida pelo Brasil?

Não. Chávez é o portador da ideologia do “anti”. Antiglobalização, anti-EUA. É de uma audácia incrível. Maior até do que a de Fidel, que sempre se defendeu dos EUA. Os americanos não fazem nada contra Chávez. Até compram o petróleo venezuelano. E ele os ataca. Ora, o Brasil não pode ocupar esse lugar. Como é que o Lula pode ser antiamericano? Nosso papel é de uma liderança calma.

Como era sua relação com Chávez enquanto o senhor foi presidente?

A melhor possível. Veja aí na parede, tenho uma carta dele emoldurada. É uma pessoa simpática, com um sentido de representação muito grande. É bom ator. Não tenho queixas do contato que tive com ele. Fui várias vezes à Venezuela, ele veio aqui, fizemos a ligação hidrelétrica entre os países, e ele sempre cumpriu o que prometera. Agora, eu lidei com o Chávez quando o petróleo estava a US$ 15 o barril. Agora custa US$ 100. Isso faz uma diferença grande. Hoje ele até conseguiu uma certa gravitação em torno da sua figura, que vem da Nicarágua, Bolívia, Argentina, de Cuba. Isso complica um pouco o jogo do Brasil. Mas o Lula é uma liderança democrática. Não pode ser outra coisa.

O sr. é favor da entrada da Venezuela no Mercosul?

Sempre fui. Sou contra a maneira como as coisas estão sendo feitas. Temos de fazer uma discussão com a Venezuela, passando por questões econômicas, pela democracia. Na Europa, há um socialista na Espanha e um centro-direitista na França. Isso não cria problemas à União Européia.

ELEIÇÕES NOS EUA E BUSH

Qual é a sua opinião sobre Obama?


Só o vi falando uma vez. É um rapaz brilhante. Jovem, boa aparência, avançando nos Estados “brancos”. Mas, se ele for candidato contra o (republicano John) McCain, não sei se leva. Porque poderá haver um refluxo no ímpeto de mudança da sociedade. E o McCain não é um reacionário, tem ficha limpa.

Comenta-se que Hillary não tem a simpatia do marido.

Comparar qualquer candidato com Bill Clinton, em matéria de magnetismo pessoal, é covardia. Nesse ponto, talvez o Obama seja mais Clinton que Hillary.

Não é difícil imaginar um negro, descendente de imigrantes africanos, chamado Obama, na Casa Branca?

Mas também é diplomata e formado em Harvard - atenção.

Isso equilibra as coisas?

Isso mostra a vitalidade da alma democrática nos EUA. Também é fruto do clima de “basta!”. Bush mostrou ao mundo um país mecânico. Ele é o próprio autômato. Errou ao sair por aí com suas idéias “ocidentalistas”, quando não era momento para isso. O mundo islâmico não é assim. A China não é assim. A Rússia não é assim. O mundo não vai para o ocidentalismo. Vai para o pluralismo. E se não consolidarmos o pluralismo, virão outros fundamentalismos. Hoje, o momento é de negociação, de voltar ao espírito das Ligas das Nações no final da 2ª Guerra, princípio da ONU. Aceitar a diferença: você é russo e comunista, sou americano e capitalista, então vamos sentar juntos. Aí é que o Brasil tem de entrar. Não é só ficar batalhando vaga no Conselho de Segurança.

Isso não é importante?

É importante, mas deu-se excessivo peso à candidatura, num momento em que simplesmente a questão não estava em jogo. O Brasil jogou fichas demais. Abriu embaixadas na África sob pretexto econômico, quando o pretexto era político. Isso não é errado, em si. Errado é lançar-se numa campanha que não haveria. Talvez a batalha mais certa fosse engrossar o G-8. A diplomacia brasileira tem força moral para preparar o futuro. Desde que não se equivoque como fez agora, na Conferência de Clima, defendendo com a mão do gato a posição da China, como diz (o embaixador Rubens) Ricupero.

Por que os EUA despertaram essa antipatia global?

Pensaram que ficariam confortavelmente na dianteira de um mundo unipolar e que podiam tudo. A primeira fase do Bush foi isso. Ele comemorou a ofensiva no Iraque naquele porta-aviões, como quem diz “agora chegamos e dominamos o mundo”. Foi uma estratégia equivocada e quem o suceder terá de entender isso. Aliás, quem entende mesmo é o Bill Clinton.

A EUROPA NO MUNDO

Que papel está reservado à Europa no plano global?


Ela terá de decidir: pretende ser o parque de diversões do mundo ou mais do que isso? Já conseguiu uma proeza, que foi construir a União Européia, reunindo pessoas que se mataram a vida inteira. Mas, nos últimos tempos, o continente se encolheu. O fato de ter sido recusada a constituição européia, o que traria inclusive um poderio militar mais efetivo, provocou o refluxo. Quem sabe agora, com a crise do dólar e o euro mais forte, esse quadro é revertido? Isso se dará só com uma ação coordenada.

E quem puxará essa ação?

Lá trás, pensei que seria o (Tony) Blair. Mas, ao vincular-se ao projeto do Bush, perdeu espaço. O problema na Europa hoje é de liderança. (Angela) Merkel, primeira-ministra alemã, não parece tê-la. O (Nicholas) Sarkozy tem problemas na França para resolver. Então, quem?

Há uma Espanha que, pelo menos em termos econômicos, é pujante.

É uma coisa extraordinária o que aconteceu lá em termos econômicos. A Espanha não fez o que o Brasil faz: perder oportunidades. Se a eleição americana provocar uma reestruturação das forças mundiais, o Brasil tem de estar entre elas. Temos peso, tradição, competência diplomática e relacionamento, porque nunca nos alinhamos automaticamente a nada e sempre tivemos sensibilidade ao perceber para onde a história aponta. Desde o tempo do Sarney o Brasil compreende a importância da China. Temos também relacionamento com a Rússia, com a Índia, com o mundo islâmico. Transitamos bem entre os países emergentes.

PALANQUE? NÃO, NÃO

Sua carreira política está mesmo encerrada?


Em termos eleitorais, sim. Eu disse isso, houve gente que desconfiou, mas é verdade. No entanto, não vou encerrar minha participação política. São coisas diferentes. Cada um faz o seu caminho, não estou criticando ninguém. Só que todos os ex-presidentes foram candidatos a alguma coisa ao deixar o cargo - Sarney é senador, Itamar foi governador, Collor é senador. Só o PT quer que eu saia de cena (risos).

Por quê?

Porque tem medo que eu vá me meter. Não vou. Sou um ex-presidente da República, continuo falando, e agora com mais liberdade. Quando falo ao partido, é verdade, sou veemente. Talvez um pouquinho incendiário, porque está tudo muito morno.

A imprensa divulgou que, na derrubada da CPMF, o governador Serra disse que o senhor apostou no 'quanto pior, melhor'.

Não acredito que tenha dito isso. Duvido. Se disse, falou num momento de irritação que não levo a sério. Minha amizade com o Serra tem 40 anos. Confio nele e, na política, certamente ele é meu maior amigo. De vez em quando discordamos, o que é normal. Serra sempre trabalhou comigo, desde quando voltou para o Brasil e foi para o Cebrap. Estivemos juntos nos EUA, em Princeton. Depois ele foi ministro. Eu insisti para ele voltar a ser ministro, na Saúde. Temos cartas trocadas sobre isso. Aliás, o Serra escreve bastante e nós temos uma longa correspondência - muito amistosa.

Os amigos da política não abandonaram a defesa do seu governo nas últimas campanhas?


Sim. A visão marqueteira acha que o político tem de ficar à mercê do resultado da pesquisa, quando ele deve brigar pelo que acredita. Acho que o PSDB agora entende que perdeu ao não brigar pelo que acreditava. Tem que defender,tem que acreditar! Sim, houve um silêncio cúmplice com o governo. Um acovardamento diante das idéias. Depois viram que não tinha idéia nova. Também demoraram a perceber que, na política, importante é o que a imprensa registra. Hoje temos um bom líder de oposição no Senado, que é o Arthur Virgílio. Ele vai lá e fala alto. Precisamos de alguém assim na Câmara. Líder bom é o líder que a imprensa registra.

Nas próximas campanhas, o senhor voltará ao palanque?

Não.

Mas vão puxá-lo.

Não irei. Não sou candidato, não quero nada. Se eu quisesse voltar, deveria ter sido candidato na primeira sucessão do Lula, quando saiu o Geraldo. Todos vieram falar comigo: o Serra, o Aécio, todos. Até porque sabiam que íamos perder. O Geraldo foi insistente comigo. Ele dizia: “Se o senhor quiser, eu não vou”. Curioso, ele ainda me chama de senhor. E eu não quis. Não porque temia o resultado, porque perder não é uma tragédia para o político profissional. Nesse caso, tragédia é não se candidatar. Não tenho dúvida de que Lula vai voltar em 2014. Porque é político profissional. E ótimo, tomara faça. Já eu me distraio por aqui. O Mandela criou um grupo - The Elders - do qual parte faço parte com o Desmond Tutu, Jimmy Carter, Kofi Annan, os veteranos da política. Além disso, sou do Clube de Madrid, do Interamerican Dialogue, dou conferências mundo afora, aulas nos EUA, tudo isso me dá prazer. Ainda assim, há quem diga que tenho imensa capacidade de manipular, que é só levantar o telefone e pronto. O que é falso. Não ocupo mais posição política. O que tenho, hoje, é posição pública. Penso, digo o que penso e procuro explicar o que penso.


'Na hora de governar, Lula sabe como agradar à elite'

O ex-presidente analisa seu sucessor, aposta que Lula voltará em 2014 e lança um olhar preocupado sobre 2008

Laura Greenhalgh e Fred Melo Paiva

Ao telefone, o ex-presidente faz comentários breves, mas algo sugere que “a coisa” está feia. Despedindo-se do interlocutor, informa aos entrevistadores. “Era o Luiz Carlos Mendonça de Barros (ex-presidente do BNDES e ex-ministro). Preocupado com os Estados Unidos...” Ajeitando-se à cabeceira da mesa de reuniões no instituto que leva seu nome, em São Paulo, não se furta a dizer que acertou no diagnóstico que fizera há pouco tempo para um grupo de economistas do PSDB. “Na volta de uma reunião com o pessoal do Citibank, onde estive com o Bill Clinton e o Felipe González, disse que a situação não era boa nos Estados Unidos. O Luiz Carlos achava que estava tudo uma maravilha. Não está. Em Providence, cidade americana do tamanho de Bauru, vi o anúncio no jornal: um mapa com bandeirinhas mostrando as 800 casas que iam a leilão. Oitocentas! Ora, se isso não é recessão, é o quê?”

É assim que Fernando Henrique Cardoso, 76 anos, batiza o clima de incerteza que ronda a economia norte-americana. E mesmo achando que o Brasil melhorou em vários aspectos, não descarta que 2008 seja um ano turbulento, difícil, “inclusive do ponto de vista energético”. Faz analogias atmosféricas: “Os ventos foram muito favoráveis a nós nos últimos tempos. Mas tem brisa aí que não é boa”. Lá vem FHC jogando no “quanto pior, melhor?” Não, garante o grão-tucano, que se diz fora do combate político-eleitoral, mas a quem se atribuem insondáveis poderes de manipulação. “Ah, como se fosse fácil...”, ironiza.

Nesta entrevista exclusiva ao Aliás, Fernando Henrique aceita passar em revista o Brasil e o mundo. Do embate vitorioso contra a prorrogação da CPMF à voracidade da China nos mercados globais, passando pelos candidatos à Casa Branca e os desafios da democracia, foram quatro horas de conversa, ao longo das quais não perdeu a oportunidade de lembrar os feitos de seus dois mandatos. “O Lula pode estrebuchar, mas o que está acontecendo ao Brasil não veio por acaso”, diz, sapecando uma ironia a mais. “Espero que ele, ao entregar o poder, diga ‘nunca tantos brasileiros viveram num País como este’. E é verdade, porque não pára de nascer gente...” Critica o sucessor, mas, em termos ideológicos, acha que Lula está mais perto de FHC do que do PT. Define José Dirceu como um político realista. Bush, um autômato. Chávez, mais audacioso que Fidel. E não deixa de passar recados para o “PSDB com juízo”: assumir a tarefa de propor uma revolução na educação nos próximos anos e considerar, desde já, a possibilidade de fechar com Gilberto Kassab, na campanha para a Prefeitura de São Paulo. “Isso seria pensar estrategicamente”, diz o político treinado na sociologia. “E eu só penso assim.”

O governo estuda criar uma nova CPMF com alíquota menor. E a oposição reage. Como avalia a derrota de dezembro?

O governo não fez a negociação que deveria. Por arrogância. E no final bateu o desespero. Se, de início, tivessem dado metade do que ofereceram depois, a oposição teria aceito. Durante meu governo, houve um ano (1998) em que o Congresso não aprovou a prorrogação da CPMF. Então votamos de novo no ano seguinte e passou. Por uma interpretação tributária qualquer, fomos obrigados a cumprir uma quarentena. No período sem a contribuição, também aumentamos o IOF. A diferença é que, desta vez, Lula não tomou uma posição negociadora. Nem o líder de seu governo sabia do pacote de aumento dos impostos. Além disso, os governistas perderam a palavra. Disseram que não iam fazer e fizeram. Em um país normal, o ministro da Fazenda teria pedido demissão. Primeiro, é repreendido em público pelo presidente. Depois se faz exatamente o que ele disse que era para ser feito. O que é isso?

O sr. é criticado por fazer oposição dura demais ao governo...

Li uma notinha na imprensa dizendo que, depois de velho, virei incendiário. E que usei o argumento da diferença de educação com relação ao Lula. Mentira. Não virei incendiário, nem mostrei diferença de educação alguma. Eles é que estavam me discriminando. O que disse naquele discurso (durante o 3º Congresso Nacional do PSDB, em novembro) foi o seguinte: “Olha, não é ruim ser doutor”. Mas não estava acusando aqueles que não o são. Ao contrário, era uma defesa. Só que inverteram. No caso da CPMF, era visível que a sociedade não queria mais. Minha argumentação junto ao PSDB foi uma só: a questão agora é política e existe um momento em que temos de dizer que não estamos de acordo.

A derrota mostrou um governo excessivamente seguro de si?


O governo está... Não posso falar em francês porque vão dizer que sou pedante... Está cheio de si. No termo antigo, gabola. Agora tomaram outra decisão, que não sei se é verdade: vão atender a base, preservando emendas individuais. Estão deixando claro, de novo, que há uma relação espúria. Não é o melhor caminho. Houve uma época em que o Lula disse: “Agora vamos fazer um entendimento com a oposição”. Daí discutiram se iriam, ou não, me chamar para uma conversa. Eles se pegam sempre na coisa menor. Me chamar pra quê? Pra tomar café?

CRISE DE EFICIÊNCIA

A que atribui esse tipo de hesitação do governo?


Há algum tempo falta à política no Brasil uma dimensão de grandeza. Qual é o projeto do PT? O PSDB tinha um e eu fiz. Não fiz tudo, mas fiz. Falávamos em estabilizar a economia, consolidar um novo modelo de relacionamento entre o Estado e o mercado, mexer na área social, integrar o Brasil à economia global. Mais ou menos, é o que foi feito no meu período e o que continua sendo feito agora. Mas o quadro é outro. Em cada conjuntura é preciso olhar adiante. O governo atual nunca fez uma proposta ao País. Nunca procurou a oposição para dizer “olha, o problema é esse, vamos nos juntar nisso, naquilo, nas questões de Estado”. Em 2008 o Brasil vai enfrentar uma situação mais difícil que nos outros anos. Não será um ano fácil, nem econômica nem energeticamente. E o problema maior não será falta de recurso.

Qual será o problema, então?

A crise de eficiência, isso é o que vejo. Quando a questão fiscal é dramática, todo o mundo só olha para o dinheiro. Mas quando se tem o dinheiro, por que não se faz? É mais difícil preparar o Estado para ser competente em termos de gestão do que para arrecadar recursos. O fato é que temos de aproveitar enquanto os ventos sopram a favor. Porque os ventos mudam. Não estou dizendo que mudaram. Mas tem brisa que não é boa, e isso me dá uma certa angústia. O Brasil tem todas as condições para se tornar um país mais decente. Está integrado no sistema econômico mundial, tem democracia, tem instituições. O problema das contas externas sumiu, a inflação acabou - mais ou menos, não? -, o sufoco fiscal melhorou. Está na hora de consolidarmos um país melhor. Mas o que estou vendo é muita rotina e muita bazófia.

COM QUE VOTO?

Por onde atacar, agora?


É preciso mexer no sistema eleitoral, e essa para mim é a reforma principal. Voto em lista é um problema, por causa da burocracia partidária. Alguns querem o voto distrital; outros, o voto distrital misto. Há mil formas. Mas temos de buscar alguma coisa que restabeleça algum elo entre as instituições e o eleitor. Hoje ele vota para presidente, o presidente chega lá, encontra um Congresso despedaçado pelo sistema de voto, então vai entrar na barganha. No meu tempo já era assim. O governo não tinha maioria, fazia aliança com quem quer que fosse e entregava algumas posições a esse partido. No governo Lula, porém, ficou claro que foram outros os métodos usados. Todo o mundo sabe. Não houve nem a ficção de que aconteceu ali um apoio político. Houve uma adesão por razões pecuniárias. Por esse motivo, o voto nunca esteve tão carente dessa reforma como agora.

O problema maior não está no financiamento das campanhas?

É muito mais do que isso. É o sistema eleitoral como um todo. Se o governo tivesse aproveitado a crise e chamado todos à mesa, não para discutir a coisa menor, mas para falar daquilo que está acabando com tudo... mas, não chamou.

AGÊNCIAS E O ATO DE NOMEAR

Lula perde oportunidades de fazer avançar as instituições?


O Brasil perde oportunidades! Vou dar um exemplo: o governo não gostava do sistema de agências reguladoras. O presidente disse mais de uma vez que eu tinha terceirizado o governo, o que mostra que ele não entendeu do que se tratava. Na prática, não pôde mudar porque viu que isso era necessário no mundo de hoje. Em lugar de aperfeiçoar, fez o pior: começou a nomear politicamente. A Anac foi o desastre maior. Mas não é o único. Agora, com a descoberta do petróleo abaixo da camada de sal, há uma nova oportunidade de fazer um avanço institucional. No entanto, começa uma nova discussão subterrânea. Uns dizem que é preciso mudar a Lei do Petróleo, outros dizem que não. E ninguém sabe qual é a proposta. Não se trata o assunto como questão nacional, apenas como problema de governo e de partido.

Prevalece o interesse partidário?

Ou o interesse privado. O interesse público quase não conta. Além disso, o presidente diz coisas desconexas, não se entende bem em que direção ele quer levar o País.

O PSDB também não tem feito discursos conflitantes?

Mas o PSDB não está no governo, não cabe a ele dizer com força o que quer. Não estou me colocando na posição de líder do PSDB, que não sou. Estou falando o que penso, e todos sabem que freqüentemente tenho opiniões contrastantes com setores do partido. Até porque acho que o PSDB também tem de ter posições mais claras. Aliás, tanto a intelectualidade quanto os líderes políticos têm sido pouco eficientes em sensibilizar a opinião geral com algumas idéias.

APAGÃO, A REPRISE

Corre-se o risco de outro apagão?


Se há uma crítica que deve ser feita ao meu governo é que não tomamos uma decisão no que diz respeito à energia hidrelétrica. Privatizamos a distribuição, mas não a geração, que acabou ficando emperrada. Entre privatizar ou não essa parte, deixou de haver investimento forte, tanto estatal quanto privado. Não sou técnico para saber se há novo risco de apagão. Mas lembro de ter ido ao Nordeste apertar um botão depois que cumprimos a última etapa de construção da Usina de Xingó. Na ocasião, dissemos: “Nunca mais vai haver problema de energia no Nordeste”. Só que não é verdade, porque o rio depende da chuva. Foi o motivo de toda aquela crise. Agora começamos a ter dificuldades pela mesma razão. De novo, não há energia o suficiente no Nordeste. Mas há a vantagem de termos montado, depois da crise, um sistema de substituição das hidrelétricas por termoelétricas.

O que acha do Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC?

Fizemos o Avança Brasil, que era isso - um sistema de prioridades para obras, articulado com o Orçamento. Mudaram o nome e retomaram o programa. Está certo, só que perderam cinco anos. E, como não propõem nada novo, não querem admitir que estão dando continuidade. Ora, na continuidade também é preciso inovar, e não há nada de errado nisso.

O sr. não vê nenhum avanço no governo atual?

O governo Lula fez uma porção de coisas. Avançou no financiamento da casa própria. Mas isso começou lá atrás, e com dificuldade votamos o tema, porque o PT se opunha. Quando fizemos a reforma da Caixa Econômica Federal, diziam que estávamos acabando com a instituição. Estávamos afastando o clientelismo e dando uma certa racionalidade. Hoje a CEF funciona. Espero que o Lula, no último dia de governo, possa dizer: “Nunca tantos brasileiros viveram num País como o de hoje”. Claro, até porque nasce mais gente, nasce, nasce...

O País tem melhorado, não?

Mais do que isso: o Brasil mudou de patamar. Porque nos integramos à economia global, aprendemos a competir. Isso não existia. Mas, por outro lado, o Congresso até hoje não aprova acordos de investimentos, porque acha que isso é manobra do imperialismo. Só que agora somos nós que temos investimentos fora. Quando temos uma mudança de paradigma tão forte - essa mudança não é nossa, o mundo é que mudou -, implica também mudar as cabeças. E como apanhamos para mudá-las...

Que avaliação faz hoje da cabeça política de Lula?

Ficou tradicional, o que é pena. Não sou puritano, mas, meu Deus do céu, se estou na política, é porque quero inovar. A salvação do Lula é que agora entrou por outro caminho: quer inaugurar. É eleitoral, mas pelo menos inaugura.


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