Dois autores defendem a desordem e
constatam a ineficiência de empresas e
mesas muito arrumadinhas
Jerônimo Teixeira
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O bacteriologista escocês Alexander Fleming era um bagunceiro inveterado. Não se preocupou em arrumar seu laboratório em Londres antes de sair para uma viagem de férias, em agosto de 1928. Na volta, alguns dias depois, o cientista observou um fenômeno interessante: um fungo atacara uma das culturas bacterianas nas placas de Petri – recipientes de vidro usados para cultivar microrganismos – que ele deixara espalhadas sobre a mesa. Onde o fungo prosperou, as bactérias morreram. Esse lance casual ajudou a dar o Nobel de Medicina a Fleming: ele descobrira ali o primeiro antibiótico, a penicilina. O professor de administração da Universidade Colúmbia Eric Abrahamson e o jornalista David H. Freedman dão um caráter exemplar ao feito de Fleming: seria a prova de que a desorganização não é, como comumente se imagina, incompatível com a seriedade, a produtividade, a realização responsável de tarefas – enfim, com toda a gama de virtudes essenciais para um bom ambiente de trabalho. Ao contrário. A dupla argumenta, em Uma Bagunça Perfeita (tradução de Claudia Gerpe Duarte; Rocco; 328 páginas; 42,50 reais), recém-lançado no Brasil, que pelo menos uma certa dose de desordem é indispensável para os lances criativos que sempre impulsionaram o capitalismo.
Não, Freedman e Abrahamson não propõem que se faça do escritório uma sucursal da casa-da-mãe-joana. Os dois autores querem apenas moderar a asséptica obsessão por ordem que permeia muito da cultura empresarial – e grande parte do discurso dos gurus de negócios. O maior acerto de Uma Bagunça Perfeita está nos seus cálculos de custo e benefício. Vale mesmo manter uma mesa impecavelmente organizada, com cada papel arquivado no escaninho respectivo? Os organizadores profissionais – sim, já existe essa categoria – garantem que sim, mas não apresentam provas. Os dois autores dizem que não. De acordo com uma pesquisa que realizaram com uma amostra informal de 260 pessoas, aquelas que declaram ter uma mesa "muito organizada" passam em média 36% mais tempo procurando coisas no trabalho do que as que afirmam ter uma mesa "relativamente desarrumada" – e isso sem computar o tempo adicional de ar-qui-va-mento exigido dos certinhos. Os bagunceiros têm, afinal, seus sistemas ocultos de classificação, mesmo que às vezes não o percebam conscientemente. No topo das pilhas que se acumulam em uma mesa bagunçada, encontram-se geralmente os documentos mais importantes e urgentes, enquanto os assuntos que podem ser adiados ou desprezados vão para o fundo. É um método flexível que serviu bem a gente como o físico alemão Albert Einstein, cuja escrivaninha na Universidade Princeton era um acúmulo caótico de papéis e notas.
A bagunça que funciona na mesa atulhada também poderia ajudar na administração global de uma empresa. Na contramão do que pregam muitos gurus empresariais, Freedman e Abrahamson proclamam a virtual inutilidade das metas de longo prazo. Em mercados cada vez mais fluidos e dinâmicos, o "planejamento estratégico" realizado hoje está destinado à obsolescência amanhã. O livro reúne uma variada coleção de empresas – livrarias, lojas de ferragens, redes de restaurantes, indústrias aeronáuticas – que prosperaram incorporando uma dose moderada
de desordem. É particularmente curiosa a comparação traçada entre dois gigantes da informática – Bill Gates, da Microsoft, e Steve Jobs, da Apple. A visão convencional que se sedimentou em torno deles apresenta Jobs como uma espécie de artista da computação, ao passo que Gates seria o empresário que só enxerga o lucro e que chega lá pelo caminho mais convencional. No entanto, de acordo com os autores, o mais bagunceiro dos dois é, veja só, Bill Gates. Jobs tem um estilo empresarial mais autocrático e tende a se ater a metas inflexíveis. Gates, ao contrário, encoraja equipes independentes que às vezes seguem caminhos conflitantes e até se arrisca a lançar versões iniciais imperfeitas de seus programas. A bagunça teria ajudado a Microsoft a bater a Apple na competição pelo mercado de computadores pessoais.
No campo da política, o livro traz um exemplo pitoresco: Arnold Schwarzenegger. Durante sua vitoriosa campanha eleitoral para o governo da Ca-lifórnia, o astro marombado se recusava a manter uma agenda formal. Quem desejava falar com o candidato telefonava para verificar se ele estaria disponível naquele momento – para uma conversa que poderia durar minutos ou horas, dependendo de como as coisas corressem. Os autores sugerem que a mesma desordem eficaz se reflete nas imprevisíveis posições políticas do atual governador, um republicano ortodoxo em suas restrições à imigração (embora ele mesmo venha da Áustria), mas "progressista" no apoio à pesquisa com células-tronco embrionárias. Schwar-zenegger é mesmo uma figura de convicções erráticas, mas atribuir seu sucesso eleitoral à inconsistência política, convenhamos, é forçar o argumento. Abrahamson e Freedman, aliás, tendem ao exagero sempre que se aventuram fora do mundo dos negócios, cavando exemplos muitas vezes duvidosos de bagunça bem-sucedida no urbanismo, nas artes, na educação, na vida familiar e até na mecânica quântica. O livro acaba fazendo jus a seu título: é uma miscelânea um tanto bagunçada. Mas, não se pode negar, criativa.