O preço do petróleo rompe a tão temida barreira
e testa os limites da economia mundial
Giuliano Guandalini
David Mdzinarishvili/Reuters |
Novo campo petrolífero de Baku, no Azerbaijão: a descoberta de poços não dá conta do avanço na demanda mundial |
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Há dez anos, o barril do petróleo era vendido a pouco mais de 10 dólares. O mundo não sabia, mas vivia ali os dias derradeiros da fase farta e barata do combustível fóssil que impulsionou a segunda revolução industrial do século passado. Nos anos seguintes, uma conjunção de fatores, entre eles a prosperidade dos países em desenvolvimento e a instabilidade em regiões produtoras, elevou gradativamente a cotação internacional. Na semana passada, o barril atingiu o seu ápice histórico ao ser negociado, pela primeira vez, acima da barreira mágica de 100 dólares. Ajustado pela inflação, o petróleo só custara mais em 1864, logo depois da descoberta nos campos da Pensilvânia, nos Estados Unidos. Depois disso, o recorde havia sido registrado em 1980, um ano após a revolução islâmica iraniana, quando a cotação triplicou em menos de cinco anos e boa parte do planeta caiu em recessão. O preço médio de um barril chegou a 36 dólares, o que, corrigido pela inflação, equivaleria a 90 dólares.
O recorde da semana passada foi atingido na Bolsa Mercantil de Nova York, onde se negocia o petróleo do tipo WTI (West Texas Intermediate), uma referência ao tipo padrão da principal região produtora dos Estados Unidos. Trata-se de um óleo leve, com grau API (escala utilizada para medir a densidade de óleos e derivados) de 39,6º e teor de enxofre de 0,24%. Existem também os contratos negociados em Londres. Naquele mercado, a referência é o petróleo do tipo Brent, extraído no Mar do Norte. Ele é mais pesado do que o WTI, com grau API de 38,3º e teor de enxofre de 0,37%. O nome de seu tipo remete a uma antiga plataforma de petróleo (Brent Spar) da Shell no Mar do Norte. Normalmente, o WTI é ligeiramente mais caro do que o Brent, que ainda não chegou a ser cotado acima de 100 dólares.
Esse recorde traz um novo desafio para a economia. Até aqui, empresas e consumidores vinham resistindo bravamente ao preço estratosférico do petróleo devido a ganhos de produtividade e eficiência. Um americano típico, por exemplo, gastava 6% de sua renda com gasolina em 1980; agora, apesar dos preços recordes do combustível, o dispêndio não passa de 4% do salário. Outra ação positiva veio da globalização. Para cada dólar de poder de compra perdido com o aumento do petróleo, calcula-se que os consumidores dos Estados Unidos recebiam de volta 1,5 dólar na forma de produtos baratos importados da China e de outros países. Há, ainda, a constatação de que, como o petróleo é cotado em dólares e a moeda americana despenca no mundo, o petróleo não estaria tão caro se comparado a outras moedas.
David Longstreath/AP |
Tanque destruído na Guerra do Golfo, em 1991: reservas gigantes num barril de pólvora |
Tudo isso é verdade. Mas, nos últimos meses, houve um aumento das incertezas com relação ao movimento do petróleo. Primeiro, porque a inflação começou a subir em todo o mundo, um reflexo do repasse da alta do petróleo e de outras commodities, como os alimentos. Em segundo lugar, porque não se sabe ao certo se haverá, nos próximos anos, petróleo suficiente para suprir as necessidades crescentes dos dois gigantes asiáticos, a China e a Índia. O mundo produz atualmente em torno de 85 milhões de barris de petróleo ao dia, ou 13,5 bilhões de litros (cada barril, medida de referência para a indústria petrolífera, contém 159 litros). Os maiores consumidores são, de longe, os americanos. A cada quatro barris extraídos em todo o mundo, um é gasto nos Estados Unidos. Na comparação com os países ricos, os emergentes ainda usam pouco petróleo. No Brasil o gasto per capita é de 4,5 barris ao ano. Na China a média é ainda menor, de dois barris, e na Índia não passa de um. O dilema é que o consumo tem crescido a taxas elevadas nos emergentes, principalmente na China e na Índia. Projeções indicam que o consumo planetário avançará 50% até 2030, e metade desse incremento virá de chineses e indianos. "Em um cenário de manutenção do crescimento econômico acelerado na China e na Índia, o preço do barril pode muito bem chegar a 150 dólares", afirmou, na semana passada, o diretor executivo da Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês), Nobuo Tanaka.
Para atender a esse avanço na demanda, a produção mundial teria de subir do atual patamar de 85 milhões de barris diários para pelo menos 130 milhões de barris. Para alguns dos maiores especialistas no assunto, entretanto, é improvável que o planeta consiga superar a barreira dos 100 milhões de barris diários. Um dos motivos é que as reservas de exploração fácil e pouco profundas estão perto do fim. Outro motivo é o fato de que as maiores reservas conhecidas estão hoje em países situados em zonas de conflito, como o Oriente Médio e a África, ou governados por ditadores, como a Venezuela e o Irã, que não permitem o investimento estrangeiro de grandes empresas petrolíferas internacionais. Os mais otimistas esperam que o petróleo caro desestimule o consumo, incentive o investimento em formas alternativas e renováveis de energia e amplie a eficiência na utilização de combustíveis fósseis.
O Brasil desta vez, ao menos, estará mais preparado para enfrentar os desafios da crise energética. Graças à tecnologia dos carros flex, o etanol voltou a ser uma opção confiável para o abastecimento de automóveis. O país já produz quase todo o petróleo de que necessita – ainda não atingiu a auto-suficiência festejada pelo governo Lula na campanha eleitoral de 2006, mas está perto disso. Assim, para o consumidor brasileiro, a escalada recente no preço do petróleo deverá ter efeitos limitados. Ainda mais se o campo de Tupi, descoberto pela Petrobras na Bacia de Santos, comprovar que é tão vasto como indicam as estimativas preliminares. Caberá ao país utilizar com sabedoria as suas riquezas. Dispor de reservas gigantescas de petróleo ou de qualquer outro recurso natural não transforma nenhum país em uma nação rica e desenvolvida – como demonstram a Venezuela de Hugo Chávez, o Irã de Mahmoud Ahmadinejad e a Nigéria das guerras étnicas atrozes.