Reféns libertadas pelos terroristas colombianos
descrevem as torturas a que são submetidas
as pessoas seqüestradas pelas Farc
Diogo Schelp
Fotos AFP/Presidencia, Reuters | AFP |
Fim de seis anos de horror nas mãos das Farc À esquerda, Consuelo carrega sua neta, ladeada por suas filhas, na chegada a Caracas. Ao lado, Clara González (de verde) com sua filha Clara Rojas, cujo filho, Emmanuel, lhe foi tirado aos 8 meses pelos terroristas das Farc. Acima, imagem de Emmanuel, hoje protegido pelo governo colombiano. Clara e Consuelo tiveram de caminhar vinte dias na selva antes de ser libertadas |
O pesadelo terminou finalmente para as colombianas Clara Rojas e Consuelo González. Na quinta-feira passada, elas foram libertadas pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), o grupo narcoterrorista que as mantinha aprisionadas havia seis anos, sob privações terríveis, em campos de concentração no meio da selva. O gesto dos terroristas, uma espécie de presente com o objetivo de promover um aliado, o presidente Hugo Chávez, da Venezuela, é uma gota d’água num oceano de horror. Estima-se que outros 774 reféns permaneçam em mãos de seus algozes. O relato doloroso das condições do cativeiro, feito por Consuelo, permite conhecer os detalhes de como os reféns, pessoas de todas as idades, incluindo crianças, são tratados por seus seqüestradores. O cenário é horripilante: "Os homens passam o dia inteiro presos pelo pescoço com correntes, com as quais tomam banho e fazem qualquer outra atividade, e, à noite, são amarrados às árvores existentes ao lado de cada cama".
Consuelo contou que as prisioneiras têm graves problemas de saúde, sem nenhuma possibilidade de receber atendimento médico. Ex-senadora de 57 anos, ela foi seqüestrada pelos terroristas em setembro de 2001. Além dos sofrimentos físicos aos quais foi submetida, passou pela tortura moral de ser impedida de comparecer ao enterro do marido, morto por um infarto um ano depois do seqüestro. O sofrimento de Clara Rojas inclui um seqüestro dentro do seqüestro: seu bebê, nascido no cativeiro, foi arrancado à força de seus braços quando tinha 8 meses, e ela nunca mais o viu. Hoje com 44 anos, Clara foi seqüestrada em fevereiro de 2002 junto com Ingrid Betancourt, de quem era assessora na campanha pela Presidência da República. Clara engravidou de um de seus seqüestradores em 2003. O parto equivaleu a uma sessão de tortura. A cesariana foi realizada com uma faca de cozinha por três terroristas numa barraca no meio da selva. Era tal a brutalidade dos parteiros improvisados que acabaram por quebrar o bracinho do recém-nascido. "Fiquei quarenta dias me recuperando, sem sair da cama, sem me mover", contou Clara.
Alejandra Vega/AFP | |
Com imagem de Ingrid, colombianos pedem libertação de reféns, em Bogotá, na semana passada |
Sabe-se agora que Emmanuel foi entregue pelos terroristas a um simpatizante, que, por sua vez, o deixou em um orfanato, onde só foi localizado pelo governo colombiano no mês passado. A libertação de Clara e Consuelo ocorreu dez dias depois do fracasso de uma operação de resgate combinada entre Hugo Chávez e as Farc. Até o presidente venezuelano foi enganado pelos seqüestradores colombianos. Na última hora, os terroristas desistiram de entregar os reféns como estava combinado. O motivo: eles não conseguiram localizar Emmanuel, que tinham prometido soltar junto com a mãe.
O desfecho foi um fiasco para Chávez, que tinha armado um circo de propaganda que incluía a presença constrangedora de Marco Aurélio Garcia, assessor do presidente Lula. Para compensarem a rasteira no amigo venezuelano, as Farc terminaram por libertar discretamente as duas seqüestradas. Não há sombra de preocupação humanitária na libertação das duas mulheres. Seria até ingenuidade imaginar a possibilidade de um gesto de respeito pelos direitos humanos num grupo cujo sustento depende de seqüestros, extorsão e tráfico de drogas. Os objetivos dos terroristas são pragmáticos. Primeiro, querem fortalecer a imagem internacional de Chávez. Segundo, aumentar a pressão sobre o presidente colombiano Álvaro Uribe, para que seu governo reduza as operações militares contra a guerrilha, sob ameaça de não ocorrerem novas libertações. Terceiro, dar força à campanha cujo objetivo é conseguir o reconhecimento internacional das Farc como parte beligerante legítima numa guerra civil. Chávez chegou a defender esse disparate em discurso da semana passada.
Tanto os Estados Unidos como a União Européia qualificam as Farc de organização terrorista. Não há realmente outra classificação para um grupo armado cujo objetivo é estabelecer na Colômbia uma inédita ditadura narcocomunista. Para negociarem o destino de outros cativos, as Farc exigem do governo colombiano a concessão prévia de uma área desmilitarizada onde os terroristas possam operar livremente. A facilidade com que Clara e Consuelo foram entregues ao presidente da Venezuela demonstra que não existem maiores dificuldades operacionais na libertação de reféns. Quarenta e quatro reféns são identificados pelas Farc como de "valor político". Isto é, estão lá à espera de uma troca de prisioneiros com o governo. Os mais de 700 reféns restantes estão aguardando o pagamento de resgate em dinheiro. Enquanto isso não ocorre, são utilizados como escudos humanos para evitar ataques do Exército colombiano. É esse tipo de organização de facínoras que pretende ser reconhecido pelo mundo como um agente político legítimo.