Entrevista:O Estado inteligente

sábado, janeiro 05, 2008

O seqüenciamento genético da uva pinot noir

Revelado o mapa do sabor

O seqüenciamento genético da uva pinot noir,
alma dos cobiçados borgonhas, abre caminho
para safras melhores e mais baratas


Rafael Corrêa

Ian Shaw/Getty Images
Cachos da pinot noir, no interior da França: no futuro, será possível criar versões transgênicas da fruta


Os italianos acabam de dar outra contribuição relevante ao mundo dos vinhos. Um grupo de pesquisadores liderados por Riccardo Velasco, do Instituto San Michele all’Adige, publicou o seqüenciamento mais completo feito até hoje do genoma da uva pinot noir. Essa qualidade de uva é conhecida por servir de matéria-prima para os exclusivos, cobiçados e caros vinhos da região da Borgonha, na França. Muito suscetível a pragas e doenças, ela só atinge sua plenitude quando cultivada em determinadas condições de solo e clima – um conjunto de fatores a que os franceses chamam de terroir. Com a decodificação do genoma da pinot noir, no entanto, será possível depender menos das condições ambientais para produzi-la. Além disso, os cientistas poderão selecionar variedades mais resistentes a pragas. Mais adiante, prevê-se até criar tipos adaptados a climas hoje considerados inadequados. Na prática, isso significará tirar da região francesa da Borgonha a exclusividade das melhores pinot noir do mundo.

A pesquisa conduzida por Velasco coloca água no vinho dos produtores franceses, que adoram realçar as qualidades de seu terroir. Um mapa com informações sobre os genes que determinam as características da uva é uma ferramenta poderosa para aumentar a produtividade das colheitas e baratear o custo do vinho pinot noir. Os pesquisadores identificaram marcadores relacionados a características como sabor, aroma e concentração de resveratrol, substância com propriedades antioxidantes e antiinflamatórias presente na casca e nas sementes da fruta. O conhecimento des-ses marcadores permite que se dê o próximo passo – o melhoramento genético. Não é a primeira vez que o genoma da pinot noir é seqüenciado. Em agosto passado, um grupo de cientistas franceses e italianos publicou um estudo na revista científica Nature com o mapa dos genes da uva. A diferença em relação ao feito do Instituto San Michele all’Adige está no detalhamento das informações. O trabalho do centro de pesquisa italiano não só esquadrinhou os 30 000 genes da pinot noir como identificou 2 milhões de polimorfismos de nucleotídeo simples – as variações nas bases formadoras do DNA.

"Com esse nível de detalhe é possível identificar com precisão as pequenas diferenças genéticas que determinam por que uma variedade resiste a doenças e outra não", explica Luís Fernando Revers, pesquisador da Embrapa e especialista em genética de uvas. "Esse processo é chamado de genética fina e acelera muito a busca por variedades melhores." O mapa dos genes da pinot noir também abre caminho para a criação de versões transgênicas da uva. A possibilidade de inserir genes de outras plantas no genoma da pinot noir deixa os produtores franceses de cabelo em pé. Eles acreditam que uma bebida feita a partir de uma uva transgênica é um sacrilégio que rompe com a tradição mi-lenar do vinho. Mas de sacrilégio em sacrilégio o mundo se move.

Do terroir ao laboratoire

O seqüenciamento do genoma da lendária uva da Borgonha, a pinot noir, pode ser um pesadelo para os produtores franceses, para os quais a terra e o clima (terroir) é que fazem a qualidade de seus vinhos. Com o avanço no laboratório será possível

• desenvolver variedades da uva mais resistentes a doenças, aumentando a produtividade

• produzir uvas que darão vinhos com sabor e aroma mais intensos

• aumentar nas uvas a concentração de resveratrol, substância com propriedades antiinflamatórias e antioxidantes

• desenvolver variedades que possam ser cultivadas em regiões onde o clima não é favorável

A multiplicação do champanhe

Nos próximos cinco anos, estima-se que o consumo de champanhe no mundo crescerá 13%. Para atender à demanda pelo mais célebre dos vinhos, o governo francês vai aumentar a área oficial de produção. Hoje, apenas os espumantes originários de uma pequena parte da região de Champagne podem receber o nome de champanhe. A partir de 2009, deverão ser incluídos quarenta municípios aos 319 autorizados a fabricar a bebida. Em 2007, foram produzidos 400 milhões de garrafas. Com a nova área, o número saltaria para 3,2 bilhões de garrafas anuais. O terroir, conjunto de clima e solo favoráveis, é o diferencial da região. Caracteriza-se por um clima de temperatura amena, com pouca radiação solar, e solo com boa drenagem. Mas os critérios oficiais que certificam os espumantes levam em conta uma série de outros fatores. Definitivamente, não é fácil ser champanhe em Champagne.

Com reportagem de Marcio Orsolini

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