Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, janeiro 16, 2008

'O pior da crise global já passou'


Artigo - Anatole Kaletsky
O Estado de S. Paulo
16/1/2008

Os mercados de ações globais tiveram o pior início de janeiro desde que os registros começaram, nos anos 20. O sentimento geral, mais uma vez, é esmagadoramente sombrio em relação à economia global, aos mercados de ativos e até mesmo à sustentabilidade dos sistemas financeiro e comercial globais. No entanto, as condições estão longe de ser tão ruins como sugerem as manchetes e os analistas. Na Grã-Bretanha, parece nula a probabilidade de desastres econômicos e financeiros comparáveis aos do período de 1990 a 1992.

Nos 17 anos em que escrevi estas Visões Econômicas, dediquei meu primeiro artigo de janeiro para contestar, onde coubesse, o senso comum sobre a economia mundial no novo ano. Em 2008, creio que vale a pena contestar o senso comum de cinco maneiras:

1. Acredito que a crise global do crédito, longe de piorar, está quase no fim. A partir do início do ano, os spreads no mercado interbancário voltaram ao normal. É o primeiro sinal do início da recuperação do sistema financeiro. Nas próximas seis semanas, todos os principais bancos apresentarão os resultados de fim de ano e anunciarão mais baixas contábeis para enfrentar a crise do subprime.

Há uma chance razoável de os investidores reconhecerem isso como as últimas baixas contábeis de grandes dimensões. Então, os bancos voltarão a se recapitalizar e a retomar as operações mais ou menos normais.

No entanto, se essa solução da crise do crédito pelo mercado não ocorrer e os investidores continuarem a duvidar da integridade dos balancetes dos bancos, as autoridades monetárias mundiais apresentarão, desconfio, um plano B. No mínimo, poderia haver algum acordo internacional sobre novos modelos para avaliar ativos ilíquidos como os títulos apoiados por hipotecas que agora paralisam os bancos.

No máximo, os governos dos Estados Unidos e da União Européia anunciariam o apoio público a seus sistemas nacionais bancários e de hipotecas - algo similar à iniciativa já adotada por Gordon Brown para garantir os depósitos em todo o sistema bancário britânico.

A crise do crédito precisa ser resolvida até o fim de fevereiro, se não pelos mercados, então pelos governos e bancos centrais. A economia mundial simplesmente não pode esperar muito mais pela retomada do serviço normal do sistema bancário.

2. Não haverá recessão nos Estados Unidos. Há poucos dias, essa afirmação não seria considerada excêntrica, pois quase nenhuma instituição séria de projeções econômicas, em nenhum lugar do mundo, previa uma recessão. Na última semana, contudo, Merrill Lynch, Goldman Sachs e Morgan Stanley disseram publicamente que uma recessão era muito provável nos Estados Unidos neste ano e poderia já ter começado.

Ainda acredito que ela será evitada, pois as taxas de juros dos Estados Unidos estão tão baixas que as empresas e os consumidores continuarão a gastar - e, no que é ainda mais importante, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) agora indicou a disposição de reduzir os juros agressivamente e continuar a fazê-lo até que a economia se recupere.

Dito isso, preciso admitir que uma recessão parece agora muito mais provável do que há um mês. Faz uma grande diferença uma recessão ocorrer ou ser evitada por pouco, pois qualquer economia de mercado é similar a um avião que precisa voar a uma velocidade mínima para não cair.

A História mostra que a “velocidade de perda” da economia dos EUA é de cerca de 1,5% em termos de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Caso se desacelere mais que isso, ela fica sujeita a cair e sofrer um período de crescimento significativamente negativo. Nas próximas previsões, portanto, apresentarei duas variáveis, dependendo de os EUA sofrerem ou não uma recessão.

3. Os mercados mundiais de ações terão alta em 2008. As avaliações de muitas companhias são agora bastante atraentes, mesmo que suponhamos uma grave desaceleração do crescimento global e um ano de lucros em queda. Além do mais, o investidor está mais pessimista do que em qualquer momento desde 1990 - sugerindo que muitas notícias realmente ruins já foram descontadas dos preços nos mercados.

Isso significa que, se não houver recessão, as ações provavelmente se estabilizarão em torno dos níveis atuais, mas poderão não progredir muito até o segundo semestre. Se os EUA afundarem na recessão, Wall Street sofrerá com um pessimismo mais grave nos próximos meses, mas os preços começarão a se recuperar bem antes do fim da recessão.

Essa recuperação da recessão deverá começar assim que os juros de curto prazo dos EUA caírem bem abaixo dos rendimentos de títulos de longo prazo. Isso deverá ocorrer até março, supondo que o Fed reduza as taxas de juros dos atuais 4,5% para cerca de 3,5%.

De qualquer modo, os preços das ações provavelmente terminarão 2008 mais altos do que no início do ano. Na Grã-Bretanha e na Europa em geral, as taxas de juros também serão provavelmente reduzidas em pelo menos 1,5 ponto porcentual nos próximos 12 meses. Mas os cortes ocorrerão mais tarde e mais lentamente. Esse é um dos motivos de as perspectivas da economia e do mercado de ações dos EUA serem muito melhores que as da Europa.

4. O tão falado “desacoplamento” entre os EUA e o restante da economia mundial ocorrerá no caso da Ásia, mas não da Europa. A Ásia continuará a crescer rapidamente neste ano. No entanto, os mercados de ações asiáticos não vão se desacoplar se os EUA afundarem na recessão e Wall Street, conseqüentemente, sofrer uma baixa total de mercado. Nesse caso, as ações asiáticas sofrerão quedas ainda maiores.

A Europa, em contraste, certamente será arrastada para baixo se os EUA afundarem na recessão e terá um desempenho relativamente ruim mesmo se a desaceleração dos EUA se mostrar (como espero) menos grave. À exceção da Alemanha, as principais economias européias têm sido alimentadas pela mesma combinação de preços habitacionais em alta e crédito fácil encontrada nos EUA. Elas estão simplesmente de 12 a 18 meses atrás dos EUA no mesmo ciclo de crédito.

A Alemanha, por seu lado, é muito dependente da força da demanda do consumidor no restante da Europa. O melhor que a Europa pode esperar, portanto, é um desempenho na economia e nos mercados habitacionais semelhante ao americano em 2007. Se os EUA sofrerem uma recessão, os declínios habitacionais e de consumo na Europa serão muito mais graves.

5. Nos mercados de câmbio, a libra esterlina continuará a cair em relação a todas as outras moedas importantes, em parte porque a Grã-Bretanha é muito vulnerável a uma crise grave na habitação.

No segundo semestre de 2008, contudo, o euro assumirá o lugar da libra como o pária dos mercados de câmbio globais, pois a eurozona, no fim das contas, sofrerá mais que a Grã-Bretanha com a desaceleração da economia global, já que o Banco Central Europeu (BCE) resistirá aos inevitáveis cortes de juros.

Essa intransigência do BCE causará graves distúrbios econômicos e políticos na Europa. Poderá até mesmo pôr em questão a sobrevivência do euro como uma moeda de reserva no longo prazo.

*Anatole Kaletsky, jornalista, escreve para o ‘The Times”, de Londres

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