Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, janeiro 10, 2008

O fascínio com o voto democrata

O Estado de S. Paulo EDITORIAL,


Nunca antes na história das eleições presidenciais nos Estados Unidos o mundo acompanhou com tanto interesse, desde a hora zero, o intrincado processo, que ocupa a primeira metade do ano sucessório, pelo qual os eleitores que assim quiserem designam a maioria dos participantes das convenções que escolherão os candidatos à Casa Branca. Além do impacto natural desse invento americano que é a teatralização da política no palco da mídia, um punhado de fatores se combina para explicar o inusitado interesse, que se distingue ainda por se concentrar praticamente em um partido - o Democrata, na oposição há oito anos, e que tem tudo para voltar a ser governo no pleito de novembro. Por isso, a trepidante travessia até a indicação do seu candidato, na convenção de agosto, aguça as atenções que normalmente só são despertadas fora dos Estados Unidos quando escolhidos os dois candidatos. Por enquanto, não há favoritos entre os presidenciáveis do partido de Bush, tamanha a fragmentação da legenda provocada pela crise do bushismo. Aliás, o que monopoliza a atenção do mundo neste momento é a identidade do democrata a quem, quase certamente, caberá reabilitar a liderança moral dos EUA, diligentemente dilapidada por George W. Bush.

A principal razão dessa curiosidade sem paralelo está na expectativa de que o presidente a tomar posse em janeiro de 2009 será o que não foi nenhum de seus antecessores: ou uma mulher, a senadora e ex-primeira dama Hillary Rodham Clinton, ou um negro, o também senador Barack Hussein Obama. Isso, e ainda mais o fato de serem figuras políticas e midiáticas excepcionais, contribui para que o mundo siga, lance a lance, como numa finalíssima, o que por ora são apenas preliminares, cuja relevância para a decisão derradeira parece inversamente proporcional ao alarde com que são noticiadas. Por causa do aparato que o cerca, o sistema das primárias americanas, como a de anteontem em New Hampshire, e das assembléias de eleitores (caucuses), como a da semana passada em Iowa, lembra o circo da Fórmula 1. Com uma diferença essencial em relação ao que se passa nas pistas: as regras de cada rodada nas urnas e os seus resultados objetivos variam enormemente de Estado para Estado.

Em alguns, só os eleitores de cada agremiação, assim registrados, podem votar nos seus presidenciáveis - ou, a rigor, nos delegados que os representarão na convenção nacional. Em outros, também os eleitores que se declaram independentes podem participar das primárias dos dois partidos. Não raro, é tênue a relação entre os votos apurados e o total de delegados escolhidos. Numa seção do caucus de Iowa, por exemplo, Obama teve 129 votos. O outsider Bill Richardson, do Novo México, 45. Isso se traduziu em um delegado à convenção para cada um. Como teria de ser, os Estados são desigualmente representados nas convenções - assim como no colégio eleitoral formado pelo voto popular. Em conseqüência, o desfecho dos embates iniciais pesa comparativamente pouco nas escolhas últimas, dado o pequeno número de delegados eleitos nos Estados onde transcorreram. Seria de todo diferente se as primárias inaugurais ocorressem, digamos, em Nova York e na Califórnia. Por fim, nas convenções votam delegados eleitos e os superdelegados, que votam pelas posições que ocupam nas caciquias partidárias e não porque foram eleitos nas primárias. Para ser candidato, um presidenciável democrata precisa do apoio de 2.025 convencionais. Destes, 796 são superdelegados.

Estima-se que, entre eles, a vantagem de Hillary sobre Obama seja de três para um. A mulher do ex-presidente Bill Clinton é a candidata do establishment partidário - políticos profissionais que conduzem a máquina, sindicalistas, mulheres e, também, negros. Guardadas as proporções, o Obama da campanha de 2004, por sua imagem de outsider, de oposição à guerra no Iraque e poder de mobilização da juventude, era o governador de Vermont, Howard Dean. Só que o comando democrata preferia o de Massachusetts, John Kerry, e apagou a estrela em ascensão já na primária de New Hampshire. Para Hillary, agora, o desafio é o carisma incomum do jovem Obama (46 anos). Ele discursa com a incandescência de Martin Luther King e a serenidade de John Kennedy, notou um comentarista. "Quase ninguém imaginou que extraordinário candidato ele viria a ser."

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