O Estado de S. Paulo EDITORIAL,
A principal razão dessa curiosidade sem paralelo está na expectativa de que o presidente a tomar posse em janeiro de 2009 será o que não foi nenhum de seus antecessores: ou uma mulher, a senadora e ex-primeira dama Hillary Rodham Clinton, ou um negro, o também senador Barack Hussein Obama. Isso, e ainda mais o fato de serem figuras políticas e midiáticas excepcionais, contribui para que o mundo siga, lance a lance, como numa finalíssima, o que por ora são apenas preliminares, cuja relevância para a decisão derradeira parece inversamente proporcional ao alarde com que são noticiadas. Por causa do aparato que o cerca, o sistema das primárias americanas, como a de anteontem em New Hampshire, e das assembléias de eleitores (caucuses), como a da semana passada em Iowa, lembra o circo da Fórmula 1. Com uma diferença essencial em relação ao que se passa nas pistas: as regras de cada rodada nas urnas e os seus resultados objetivos variam enormemente de Estado para Estado.
Em alguns, só os eleitores de cada agremiação, assim registrados, podem votar nos seus presidenciáveis - ou, a rigor, nos delegados que os representarão na convenção nacional. Em outros, também os eleitores que se declaram independentes podem participar das primárias dos dois partidos. Não raro, é tênue a relação entre os votos apurados e o total de delegados escolhidos. Numa seção do caucus de Iowa, por exemplo, Obama teve 129 votos. O outsider Bill Richardson, do Novo México, 45. Isso se traduziu em um delegado à convenção para cada um. Como teria de ser, os Estados são desigualmente representados nas convenções - assim como no colégio eleitoral formado pelo voto popular. Em conseqüência, o desfecho dos embates iniciais pesa comparativamente pouco nas escolhas últimas, dado o pequeno número de delegados eleitos nos Estados onde transcorreram. Seria de todo diferente se as primárias inaugurais ocorressem, digamos, em Nova York e na Califórnia. Por fim, nas convenções votam delegados eleitos e os superdelegados, que votam pelas posições que ocupam nas caciquias partidárias e não porque foram eleitos nas primárias. Para ser candidato, um presidenciável democrata precisa do apoio de 2.025 convencionais. Destes, 796 são superdelegados.
Estima-se que, entre eles, a vantagem de Hillary sobre Obama seja de três para um. A mulher do ex-presidente Bill Clinton é a candidata do establishment partidário - políticos profissionais que conduzem a máquina, sindicalistas, mulheres e, também, negros. Guardadas as proporções, o Obama da campanha de 2004, por sua imagem de outsider, de oposição à guerra no Iraque e poder de mobilização da juventude, era o governador de Vermont, Howard Dean. Só que o comando democrata preferia o de Massachusetts, John Kerry, e apagou a estrela em ascensão já na primária de New Hampshire. Para Hillary, agora, o desafio é o carisma incomum do jovem Obama (46 anos). Ele discursa com a incandescência de Martin Luther King e a serenidade de John Kennedy, notou um comentarista. "Quase ninguém imaginou que extraordinário candidato ele viria a ser."