"Vem aumentando significativamente a oferta de capital
de risco na economia, formando uma espécie de cadeia
alimentar do investimento no país. Essa cadeia funciona
assim: uma bolsa pujante estimula os investimentos em
empresas fechadas que têm potencial para abrir o capital
(private equity). Um mercado de private equity ativo, por
sua vez, estimula os investidores de capital de risco (venture
capital), que investem em projetos e empresas novas"
Victor R.Caivano/AP |
Pregão da Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F), em São Paulo: a pujança financeira estimula o investimento em novos negócios |
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O espetacular boom do mercado de capitais no Brasil nos últimos anos está revolucio-nando a maneira de pensar dos empresários brasileiros. Paira no ar a sensação de que negócios bem estruturados podem se viabilizar dentro de uma cadeia financeira inédita no país. Extremamente poderosa, essa sensação liberta um espírito empreendedor e capitalista até há pouco tempo desconhecido em nossas praias.
Trata-se de um esboço de um Brasil novo, mais estável, globalizado e competitivo. Faz parte de um modelo de nação mais livre e aberta, que oferece uma alternativa de desenvolvimento viável se apoiado por um estado eficiente e justo. Vamos aos detalhes.
As ações negociadas nas bolsas de valores nada mais são do que pequenos pedaços do capital de uma empresa. Quem compra ações na bolsa o faz com a expectativa de obter um bom retorno, advindo da lucratividade e do crescimento da companhia. Os empresários que vendem ações de suas empresas o fazem tipicamente com o objetivo de obter recursos para investir, seja contratando gente, seja em equipamento ou inteligência.
Apesar dessa conexão direta da bolsa com a economia real, até recentemente o mercado de ações era visto como pouco mais do que um grande cassino. Pior, era visto como um cassino manipulado, onde os acionistas minoritários eram prejudicados pelos acionistas controladores (que abusavam de seu poder em benefício próprio).
Para entrarem nesse jogo, os investidores exigiam pagar um preço baixo pelas ações, como modo de se proteger das diversas formas de expropriação praticadas pelos controladores. Por sua vez, os empresários (especialmente os mais sérios) se sentiam pouco estimulados a vender parte de suas empresas a um preço baixo. O mercado de capitais, portanto, não exercia seu papel de intermediar a poupança e o investimento na economia.
Um exemplo gritante dessa ineficiência surge da comparação entre os volumes de investimento estrangeiro direto e na bolsa após o Plano Real. Com a estabilização, a privatização e a abertura da economia a partir de 1994, o Brasil começou a atrair somas vultosas de investimento estrangeiro direto (ou seja, investimento em empresas tipicamente de propriedade ou controladas por empresas estrangeiras). Mas, pelas razões mencionadas acima, até 2005 pouco capital estrangeiro veio para investir em empresas brasileiras. Em particular, pouquíssimo dinheiro veio para a bolsa de valores.
Ao longo do tempo, no entanto, as coisas começaram a mudar para melhor. As Leis das Sociedades Anônimas e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) foram reformadas dando à CVM melhores condições de exercer seu papel de proteção aos acionistas minoritários; os investidores institucionais começaram a ter uma postura mais ativa na gestão das empresas, e a Bolsa de Valores de São Paulo criou o Novo Mercado, uma listagem especial que identifica as empresas que obedecem a critérios rigorosos de governança corporativa, ou seja, as empresas que melhor protegem o investimento de seus acionistas.
Além disso, a superação da crise de confiança de 2002, a retomada de um processo de alta nas principais bolsas de valores do mundo, especialmente as emergentes, assim como a queda na taxa de juros doméstica, contribuíram para uma extraordinária decolagem da nossa bolsa. Foi como um passe de mágica: plantadas as sementes, assim que o tempo melhorou veio uma sensacional colheita. Os números falam por si: os lançamentos de ações na bolsa atingiram 14 bilhões de reais em 2005, 30 bilhões em 2006 e 70 bilhões em 2007! Esses números são expressivos. Como proporção do PIB começam a ser relevantes, e superaram o significativo volume de crédito liberado pelo BNDES em 2007.
Igualmente importante é o impacto que o desenvolvimento do mercado de ações começa a ter em outras esferas da economia. Por exemplo, vem aumentando significativamente a oferta de capital de risco na economia, formando uma espécie de cadeia alimentar do investimento no país. Essa cadeia funciona assim: uma bolsa pujante estimula os investimentos em empresas fechadas que têm potencial para abrir o capital (private equity). Um mercado de private equity ativo, por sua vez, estimula os investidores de capital de risco (venture capital), que investem em projetos e empresas novas. Essa cadeia contribui para aumentar o volume e a qualidade do investimento no país.
Existem, é claro, ameaças ao futuro dessa bela novidade, destacando-se uma eventual volta da instabilidade macroeconômica e uma reversão no arcabouço legal e regulatório do setor. Cabe também perguntar se tudo isso espelha apenas uma fase de euforia nos mercados, agora sob ameaça de reversão. Aqui os riscos são menores. Mercados oscilam entre extremos de ganância e medo, é assim mesmo. Nos momentos de medo o financiamento via mercado de ações se retrai. Mas o medo passa e o canal sempre reabre. Esse fenômeno é mais do que apenas um fruto de um mercado em alta. Ele veio para ficar.