A relação de dependência do presidente Lula com o PMDB do senador José Sarney cada vez mais se parece com a que o então presidente Sarney teve com o PMDB de Ulysses Guimarães. Recentemente, o próprio Sarney admitiu que Ulysses “mandou muito” em seu governo, a partir do momento em que, internado Tancredo Neves na véspera da posse na Presidência, Sarney assumiu com a interpretação constitucional de que era vice-presidente não de Tancredo, mas da República.
Interpretação respaldada, de um lado, pelo saber jurídico, com grande dose de saber político, do ministro Leitão de Abreu. Pelo outro, pelo poder militar do general Leônidas Pires Gonçalves. Mas, sobretudo, pela astúcia de Ulysses Guimarães, que explicou assim ao senador Pedro Simon sua aceitação: “Se não for o Sarney, não serei eu nem ninguém”.
Sarney ficou com a Presidência, mas Ulysses era homem forte. Além das presidências da Câmara e do PMDB, partido que formava 80% dos ministérios, tinha a maioria dos parlamentares, e faria nas eleições seguintes todos os governadores.
Ulysses, na falta de um vice, era o substituto imediato do presidente e viria a ser presidente da Constituinte.
Mandava e desmandava, a ponto de ter vetado a nomeação do então governador do Ceará, Tasso Jereissati, para o Ministério da Fazenda, quando este já se encontrava a caminho de Brasília, a bordo de um jato, para tomar posse.
Nada como 20 anos depois na política brasileira. A partir da crise do mensalão, em 2005, a influência do senador José Sarney no governo petista, que já era grande desde o apoio dado a Lula contra Serra na campanha presidencial de 2002, passou a ser incontrastável.
Alcançou seu ponto alto com a nomeação do senador Edison Lobão para o Ministério das Minas e Energia, nesta semana, uma nomeação impensável no momento delicado da energia no país, empurrada goela abaixo do PT e do próprio Lula pela persistência de Sarney, que hoje faz com Lula o que Ulysses fez com ele, de aparência mais doce, como é seu estilo de fazer política, mas com o mesmo apetite de poder e determinação.
O presidente Lula já se convenceu de que a manutenção do poder, de maneira imediata nas batalhas do Congresso, e para o futuro na sua sucessão, depende do PMDB e, dentro dele, do senador José Sarney. No entanto, a divisão do butim do governo já denuncia as dificuldades que Lula terá para manter unida sua base parlamentar nos próximos anos, à medida em que vai se esgotando seu período de governo.
Mas, sobretudo, anuncia a quase impossibilidade de conseguir tirar dela uma candidatura própria à sua sucessão.
A disputa entre PT e PMDB pelos espaços de poder, se não inviabilizar antes essa aliança, ainda mais em ano de eleições municipais, corre o risco de implodir já no próximo ano, quando periga o PMDB estar à frente das duas Casas do Congresso, sendo que no Senado o nome certo é o do próprio Sarney.
O presidente Lula já está convencido de que um candidato com chances de vencer em 2010 não sairá das fileiras do PT, que carece de nomes. E o PMDB, pela primeira vez na história recente, sente-se em condições de encabeçar uma chapa presidencial, e cobra o apoio do Palácio do Planalto.
Assim como não abre mão de seus espaços no governo, o PT, porém, não abre mão de uma liderança simbólica da base aliada, mesmo não tendo as maiores bancadas e tendo ficado ferido de morte por sucessivos escândalos.
Tudo indica que apresentará um candidato próprio, mesmo que seja para perder.
No momento, a chefe do Gabinete Civil, Dilma Rousseff, é a bola da vez, sendo exposta à visibilidade pública para testar sua viabilidade eleitoral. Já anunciou o megacampo de petróleo Tupi, já chorou em cerimônia pública relembrando tempos de guerrilheira, e, embora seja a principal responsável pela política energética do governo que vem dando sinais de fadiga, tem sido poupada ao máximo no momento delicado em que a possibilidade de um apagão torna-se a cada dia mais concreta.
A disputa pelo comando dos postos-chaves do setor de energia é uma antecipação da disputa pelo poder entre o PMDB e o PT em 2010, assim como um eventual apoio do PMDB à candidatura de Marta Suplicy à Prefeitura de São Paulo, pode ser a demonstração de que o PT precisa do PMDB para manter-se no poder.
O que parecia impensável está acontecendo: as diversas alas do PMDB estão razoavelmente apaziguadas, cada uma delas já tendo encontrado seus espaços de poder dentro do governo Lula. Dispostos a mantê-los, conseguem negociar entre si, com o presidente do partido, Michel Temer, sendo o provável futuro presidente da Câmara.
A questão é saber se o PMDB se contentará com o controle do Congresso no ano da sucessão presidencial.
E se o PT deixará que o PMDB assuma a direção das duas Casas, abrindo espaço para que se entenda com outra área dissidente da base aliada, a formada pela chamada “esquerda” com PCdoB, PSB e PDT.
Acontece que essa ala já tem pelo menos um candidato na figura do deputado e ex-ministro Ciro Gomes, o que melhor aparece nas pesquisas de opinião no grupo governista. O PDT, dependendo do que acontecer com o enfrentamento de seu presidente, Carlos Lupi, com a Comissão de Ética da União, pode permanecer na aliança ou lançar novamente o senador Cristovam Buarque, refletindo o racha que já existe na base parlamentar do Senado.
Sem Lula na disputa, todos se consideram com chances de vencer. Até mesmo dentro do PSDB essa perspectiva alimenta ambições insuspeitadas até então, como a do senador Arthur Virgílio, que se lançou pré-candidato. E o mais provável é que dessa sensação nasça a divergência, tanto na base aliada quanto no PSDB.
Entrevista:O Estado inteligente
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