Chocolates fortes e muito amargos, feitos com
cacau de safras especiais e produzido em países
longínquos, são a nova mania entre os gourmets
Roberta de Abreu Lima
Lailson Santos |
A empresária paulista Cynthia Del Carlo: "Esses novos chocolates são um brinde ideal para os clientes" |
Consumido em rituais religiosos pelos indígenas da América Central, em forma de uma beberagem amarga, o chocolate se transformou em guloseima quando os europeus tiveram uma idéia sensacional – misturá-lo com açúcar. Corria o século XVI, e, a partir daí, o mundo se apaixonou pelo chocolate. Nos últimos tempos, assim como ocorreu csom os vinhos e o café, o chocolate foi elevado ao patamar da alta gastronomia. Para produzirem os chocolates vendidos em larga escala, as indústrias se abastecem de matéria-prima de acordo com os preços do mercado internacional. Já para produzirem os chocolates que atualmente fazem as delícias dos gourmets, as fábricas usam cacau proveniente de regiões reconhecidas pela excelência de suas plantações, em geral pequenos países do Caribe e da África, em que a produção é limitada (veja o quadro).
Muitos desses lotes de cacau especificam inclusive em qual fazenda e em que ano o fruto foi colhido. Ao provarem um chocolate, os especialistas conseguem identificar de que país veio o cacau utilizado em sua produção. Os novos chocolates têm até seis vezes mais antioxidantes – que combatem o colesterol ruim e fortalecem o sistema imunológico – do que os chocolates convencionais. Para apreciar plenamente os chocolates com denominação de origem controlada é preciso adaptar o paladar às suas características. Ao contrário do chocolate ao leite, que leva em média 30% de cacau em sua composição, esses produtos são feitos com alta concentração de cacau, de 60% para cima, nenhum leite e pouquíssimo açúcar. Isso resulta num chocolate escuro e amargo – às vezes muito amargo.
Oscar Cabral | Folheada a ouro Em São Paulo, uma fábrica produz esta esfera de chocolate com cacau da Tanzânia e folhas de ouro comestível importadas da Itália. Preço por quilo: 300 reais. O quilo dos chocolates populares custa 10 reais |
Os brasileiros já descobriram os prazeres do chocolate com cacau de origem controlada. A fábrica paulistana Saint Phylippe, que fornece o produto sob encomenda, dispõe de chocolates feitos com cacau da República Dominicana, no Caribe, de São Tomé e Príncipe e da Tanzânia, na África, e de Java, na Indonésia, entre outros. "Antes de consumi-los é recomendável ingerir um pouco de água com gás para limpar as papilas gustativas e apurar o paladar", avisa a chocolatière Andressa Vasconcelos, proprietária da empresa. Uma caixa com 640 gramas da Saint Phylippe é vendida por 305 reais. Para efeito de comparação, a mesma quantidade de chocolate ao leite, de marcas populares, custa menos de 10 reais. "Esses chocolates finos e diferentes são um brinde ideal para os meus clientes", diz a empresária paulista Cynthia Del Carlo. A Cacau Noir, chocolataria do Rio de Janeiro, oferece combinações – ou blends, como preferem as embalagens – de cacau de várias procedências. Uma delas é feita com frutos da Tanzânia, de São Tomé e de Gana. "Compro muitos desses chocolates de origem controlada para dar de presente aos amigos porque eles sempre propiciam brincadeiras de comparação de sabores. Meu favorito é o que tem cacau da Tanzânia", diz o advogado carioca José Marcos Quintella.
Oscar Cabral |
O advogado carioca José Marcos Quintella: "Os chocolates de origem propiciam brincadeiras a respeito de seus sabores" |
Embora a produção cacaueira no Brasil tenha decrescido drasticamente na última década, o cacau da Bahia não faz feio entre os degustadores de chocolate no exterior. Fabricantes como a francesa Pralus e a inglesa L’Artisan du Chocolat já produzem chocolate "de origem" brasileira. A chocolataria paulistana Chocolat du Jour lançou recentemente um chocolate com 80% de concentração de cacau, feito inteiramente com matéria-prima brasileira. "A maioria dos clientes ainda prefere o chocolate ao leite, mas os amargos estão conquistando seu espaço", diz Patrícia Landmann, proprietária da loja. Incentivados por pesquisas que reconhecem o chocolate amargo como benéfico para o coração, até mesmo produtores de chocolates populares, como a Nestlé e a Garoto, já lançaram versões com 70% e 55%, respectivamente, de cacau. Marcas européias consagradas pela qualidade de seu chocolate ao leite, como a suíça Lindt e a italiana Domori, oferecem produtos com 99% e 100% de cacau. Para não decepcionarem possíveis consumidores desavisados, os fabricantes advertem nas embalagens que é melhor começar a degustar esse tipo de chocolate em versões que apresentem porcentuais mais baixos de cacau.
Na Europa, os chocolates para degustação já propiciaram o surgimento de confrarias de chocólatras, semelhantes às que existem para os vinhos. Seus integrantes se reúnem para provar e avaliar produtos de diferentes marcas, feitos com cacau de procedências distintas e porcentuais variados. Os membros da inglesa SeventyPercent, sediada em Londres, dão notas aos quesitos aparência, aroma, sabor, derretimento e retrogosto e elaboram periodicamente um ranking dos dez melhores chocolates do mundo. "A porcentagem de cacau também é um bom indicador do tipo de chocolate que o consumidor está comprando. Porcentuais baixos freqüentemente significam que mais açúcar e outros produtos foram utilizados para mascarar o sabor de grãos de qualidade inferior", disse a veja Martin Christy, um dos integrantes da SeventyPercent e autor do livro The Connoisseur’s Guide to Chocolate. A associação italiana Chococlub, que também reúne aficionados de chocolate, vende um kit degustação que contém amostras de sementes de cacau, manteiga de cacau e produtos com diferentes origens e porcentagens de matéria-prima. Para atender a grupos como esses, muitos grandes fabricantes também passaram a estampar nas embalagens a procedência e o porcentual de cacau de seus produtos. Para quem está acostumado ao chocolate ao leite, provar seus equivalentes chiques e amargos é uma experiência no mínimo diferente.