Artigo - Demétrio Magnoli e Flávia Piovesan |
O Globo |
10/1/2008 |
Eles nunca sabem. Diante do processo da justiça italiana que lança nova luz sobre a Operação Condor, Jarbas Passarinho, ex-ministro de três governos da ditadura militar, reiterou um álibi ritual: "Se soubesse que, mandando para a Argentina, a pessoa ia ser morta, tenho a convicção de que o governo não mandaria." A alegação de ignorância não exclui a justificação do crime de Estado: "O que parece ridículo são as pessoas que dizem que não podia extraditar senão de acordo com a lei. A gente estava em uma guerra! Uma guerra não-declarada." É a justificativa brandida por George Bush para a rede de centros de tortura off-shore que os EUA criaram após o 11 de setembro de 2001. A justiça italiana determinou a prisão preventiva de 146 sul-americanos, dentre eles 13 brasileiros, em virtude do desaparecimento de dois ítalos-argentinos em 1980, ilegalmente presos no Brasil, enviados à Argentina e, desde então, desaparecidos. A acusação compreende a prática de assassinatos, seqüestros e torturas, sob o manto da Operação Condor, uma rede internacional que articulava ações repressivas das ditaduras do Cone Sul. O Brasil tem a obrigação de extraditar os acusados ou processá-los no país. Não é o que pensam os ministros da Justiça, Tarso Genro, e da Defesa, Nelson Jobim. O primeiro mencionou a prescrição dos crimes e a vigência da Lei de Anistia para sugerir que o passado permanecerá enterrado sob a lápide do esquecimento. O segundo descartou as hipóteses de extradição dos brasileiros e de abertura de processo no Brasil. Os dois fingem ignorar que o Brasil é signatário da Convenção Contra a Tortura. A Convenção, elevada no plano internacional a norma cogente e inderrogável, além de ter força de costume internacional, estabelece que a tortura é um crime internacional. Ela impõe aos Estados-parte o dever de investigar, processar e punir a prática da tortura. Não há possibilidade de derrogar a proibição da tortura: nenhuma circunstância excepcional pode ser invocada como justificativa para a tortura. A tortura é crime de lesa-humanidade, considerado imprescritível pela ordem internacional. Genro e Jobim interpretam a Lei de Anistia, de 1979, como um instrumento que anistiou o crime imprescritível de tortura. O ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria dos Direitos Humanos, lembrou que essa é uma interpretação legal contestável, e que o STF jamais se pronunciou sobre o tema. Mas, sobretudo, registrou o óbvio: o seqüestro dos ítalo-argentinos aconteceu em 1980, o que o coloca fora do âmbito temporal da Lei de Anistia. Jobim, ex-presidente do STF, não perdeu o hábito de vestir suas opiniões políticas com os andrajos de uma suposta norma jurídica. Ele afirmou que "a Itália não pode decidir sobre coisas que aconteceram no Brasil" e que "o Executivo não tem nada a ver com isso". A Convenção Contra a Tortura estabelece, porém, a chamada jurisdição compulsória e universal. Compulsória porque obriga os Estados-parte a processar e a punir os torturadores, independentemente do território onde a violação tenha ocorrido e da nacionalidade do violador e da vítima. Universal porque o Estado-parte onde se encontra o suspeito deve processá-lo ou extraditá-lo para outro Estado-parte que o solicite e tenha o direito de fazê-lo. Diversamente da Operação Condor, que se movia no plano da "extradição ilegal" das vítimas de tortura, a Convenção Contra a Tortura autoriza a extradição legal de acusados de tortura, com base no princípio da complementaridade horizontal das jurisdições nacionais dos Estados-parte. Mas, para cumprir suas obrigações internacionais, o Brasil não precisa extraditar ninguém. Basta seguir os exemplos do Chile e da Argentina que, diante das solicitações da justiça espanhola de extradição de Augusto Pinochet e de chefes militares argentinos, decidiram processá-los por meio de suas próprias instituições. O que Jobim e Genro parecem pretender é consagrar uma vergonhosa exceção brasileira pela qual o tratado não pode ser aplicado nem sequer para crimes cometidos após a Lei de Anistia. |
Entrevista:O Estado inteligente
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A exceção brasileira
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