Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, janeiro 18, 2008

DORA KRAMER Rainha de outros reinos

A ministra Dilma Rousseff, é de conhecimento geral, foi voto vencido em sua discordância da nomeação de um político para o Ministério de Minas e Energia no momento em que se avizinha o risco de uma crise de abastecimento.

Não participou, como seria natural na condição de chefe da Casa Civil, da reunião do presidente Luiz Inácio da Silva na semana passado com o PMDB, quando foi acertada a indicação, e chegou a dizer nas internas do governo que, a vê-lo ministro, preferia deixar a Casa Civil e voltar ao ministério.

Relatou ao presidente toda a sua preocupação com cessão de autoridade a quem não tem competência técnica para tomar decisões de importância crucial em hora de delicadeza extrema, pediu - e levou - a garantia de que continuará no comando dos postos estratégicos.

Além dos técnicos que manterá e dos que ainda pretende nomear, gostaria de deixar fora da jurisdição do novo ministro até a secretaria-geral. Na impossibilidade, porque também não pode bater de frente com o PMDB sem desarrumar os planos políticos de Lula, cerca o ministro de gestores da confiança dela.

Nesse cenário de restrição, Edison Lobão assume, em tese, como uma rainha da Inglaterra sem majestade. Mais ou menos como Luiz Paulo Conde em Furnas: com a presidência, mas desprovido do controle da estrutura.

Assume também sob total desconfiança, tendo o presidente da República sido devidamente avisado sobre o risco de ser responsabilizado por um desastre, caso se apresente mesmo a necessidade de Lobão tomar a frente da administração de uma crise - seja sendo atropelado por Dilma e seu exército de gerentes, seja por escassez de competência para tomar as decisões certas.

De todo modo, a responsabilidade cai no colo de Lula, que tem plena consciência do que representaria um "apagão" mal administrado na área de energia. No mínimo, ele fica no vermelho naquela conta de comparações com o governo de Fernando Henrique Cardoso que tanto o assombra.

Isso posto, vêm as inevitáveis dúvidas: por que, então, o PMDB luta por um ministério onde teoricamente não terá liberdade para atuar? Por que, ante as preocupações de Dilma com a gestão de um quadro degradado, Lula atende ao partido, quando a emergência aconselharia a oferta de um posto menos sensível ao PMDB?

Quem transita nas áreas políticas do Congresso e do palácio, com acesso privilegiado também ao gabinete de Dilma Rousseff e às instâncias públicas e privadas do setor de energia, fornece a explicação.

Lula aceita porque confia na própria estrela. Acha que com ele nunca acontece o pior, que a fiança divina será suficiente para fazer desabar a chuva até fevereiro e afastar o risco de racionamento.

O PMDB, por sua vez, concorda em posar de rainha da Inglaterra no ministério porque poderá imperar em outros reinos: as estatais - Petrobrás, Eletrobrás -, suas subsidiárias, as companhias de energia, as áreas de mineração (interessantíssima no Amapá, domicílio eleitoral do padrinho de Lobão, José Sarney) e metalurgia.

Autorizam, assim, partido e presidente, a seguinte conclusão: a decisão tomada em conjunto é irresponsavelmente desprovida de qualquer resquício de espírito público, expressão eivada de ingenuidade quando aplicada ao caso de gente cuja preocupação fundamental não é o interesse do País, mas a submissão deste à visão de que o Estado é patrimônio de quem está no poder. Para ser usado como melhor ao grupo convier.

Racionamento

Os desmentidos e discursos tranqüilizadores quanto à hipótese de restrição no abastecimento de energia não correspondem à preocupação e movimentação do governo, dos fornecedores e dos consumidores industriais. Na discussão "para dentro" já se examinam várias hipóteses.

A última seria a do racionamento de energia elétrica. O presidente Lula já mandou um aviso geral aos seus navegantes de que seria um tiro mortal em seu governo. "Nenhum de nós sobrevive politicamente a um apagão elétrico", disse Lula em reunião recente com a Petrobrás.

A opção de corte hoje tida como mais viável seria no fornecimento de gás combustível. Para a indústria é complicado cortar por causa da pressão do empresariado. Sobram os donos de automóveis movidos a gás, cuja voz é dispersa, concentrada basicamente nos taxistas.

Poderiam ser eles os escolhidos para pagar a conta. Mas, como sempre, transferindo-se a fatura para o usuário, pois, nesta hipótese, cogita-se um aumento de tarifas dos táxis como compensação.

Segundo cálculos que circulam entre os adeptos da idéia, se fosse cortado o gás para os veículos haveria uma sobra de quase 3 milhões de metros cúbicos por dia, suficiente para complementar os 6 milhões de metros cúbicos necessários para atender às usinas termoelétricas se a estiagem continuar a reduzir os reservatórios de água das hidrelétricas.

A decisão será tomada em fevereiro, quando, então, São Pedro mostrará se de fato é um bom companheiro.

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