Para um candidato negro nos EUA, é quase impossível se manifestar contra políticas afirmativas. Mas quem ler “The audacity of hope” (“A audácia da esperança”), de Barack Obama, lançado em 2006, não terá dificuldades de reconhecer que, hoje, o pré-candidato democrata prefere políticas universalistas a políticas de corte racial.
Até hoje, Obama paga um preço pelo discurso na convenção que sagrou John Kerry como candidato em 2004, quando disse: “Não existem uma América negra e uma América branca e uma América hispânica e uma América asiática — o que existe são os Estados Unidos da América.” Para muitos, conta Obama, a frase mostraria a sua visão de uma América livre dos conflitos raciais, próxima do sonho de Martin Luther King de que todos sejam julgados, não pela cor, mas pelo caráter. “Num certo sentido, não tenho outra opção senão acreditar nessa visão de América”, escreve Obama. Filho de pai negro e mãe branca, nascido no caldeirão étnico do Havaí, com uma irmã nascida na Indonésia, mas sempre confundida com uma mexicana, com alguns parentes que se parecem com Margaret Thatcher e outros, com o ator negro americano Bernie Mac, Obama diz que nunca teve a escolha de restringir suas lealdades com base na raça ou de medir seu valor com base em tribos.
Apesar disso — e para fugir da patrulha —, ele faz questão de sugerir cautela a todos os que viram no discurso um sinal de que ele acreditaria que nos EUA as diferenças raciais já não têm peso.
“Dizer que somos um só povo não é sugerir que raça não é mais um problema, que a luta por igualdade está ganha ou que os problemas que as minorias enfrentam neste país são em grande parte culpa delas próprias”, diz. Obama defende políticas afirmativas: “Programas de ação afirmativa, quando estruturados corretamente, podem abrir oportunidades de outra maneira impossíveis para minorias com qualificação, sem diminuir as oportunidades para alunos brancos.” Notem que, para ele, é importante que as minorias sejam qualificadas — o mérito conta —, mas não é este o ponto que desejo destacar.
Depois de fazer uma defesa quase protocolar das ações afirmativas, Obama afirma que a responsabilidade de acabar com a distância entre negros e brancos não pode ser apenas do governo, tem de ser das minorias também. Enumera os fatores que prejudicam os negros — o colapso da família composta por pai e mãe, assistir mais à televisão, fumar mais e comer mais fast-food, e dar pouca ênfase aos estudos — e diz que é necessário que as minorias (o indivíduo e o grupo) tomem atitudes para reverter o quadro. Dizer assim com todas as letras que, nos EUA, parcela de culpa cabe também aos negros é algo de extraordinário.
Mais extraordinária é a afirmação seguinte: “No fim das contas, a mais importante ferramenta para pôr fim à distância entre minorias e trabalhadores brancos pode simplesmente ter pouco a ver com raça. Hoje em dia, o que prejudica a classe trabalhadora e a classe média negra e hispânica não é fundamentalmente diferente do que prejudica a contraparte branca: downsizing, terceirização, automação, estagnação salarial, o desmantelamento dos serviços de saúde e de aposentadoria antes oferecidos por empregadores e escolas que deixam de ensinar aos jovens as habilidades necessárias para competir numa economia global.” E prossegue: “Mesmo se continuarmos a defender ações afirmativas como uma ferramenta útil, embora limitada, para expandir oportunidades para minorias sub-representadas, devemos levar em conta gastar muito mais do nosso capital político convencendo a América a fazer os investimentos necessários para assegurar que todas as crianças tenham um bom desempenho no ensino fundamental e se formem no ensino médio, uma meta que, se atingida, faria mais do que ações afirmativas para ajudar negros e latinos, os que mais precisam.” Para Obama, “a ênfase em programas universais, e não em programas de cunho racial, não é apenas uma boa política; é também uma boa ação política”.
Ele explica por quê: “Propostas que somente beneficiem minorias e separem os americanos entre ‘eles’ e ‘nós’ podem gerar umas poucas concessões no curto prazo quando o custo para os brancos não for muito alto, mas não podem servir de base para o tipo de coalizão política ampla e autosustentada necessária para transformar a América. Por outro lado, atrativos universais em torno de estratégias que ajudem todos os americanos (escolas que ensinam, empregos com bons salários, serviços de saúde para todos que precisem, um governo que socorra logo depois de uma enchente), ao lado de medidas que garantam que nossas leis serão aplicadas a todos sem distinção (...), podem servir de base para tal coalizão, mesmo que essas estratégias ajudem as minorias de uma maneira desproporcional.” E para finalizar este artigo, uma última citação: “Qualquer estratégia para reduzir a pobreza tem de estar centrada no trabalho, não em assistencialismo — não somente porque o trabalho provê independência e renda, mas também porque provê ordem, estrutura, dignidade e oportunidades para o crescimento na vida das pessoas.” Maravilhoso, não? Tudo isso escrito e publicado por um político negro dos EUA. Que os EUA tenham um candidato negro, viável, e que pense assim, é em si um sinal de que se está mais perto do sonho de Martin Luther King.
Enquanto isso, nós, no Brasil, uma nação miscigenada e mais tolerante, copiamos políticas que os americanos já sabem que não são um remédio eficaz.
Haverá lucidez?
Entrevista:O Estado inteligente
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