Uma exposição demonstra que a
grande realização artística de Yoko
Ono foi mesmo se casar com um beatle
Sérgio Martins
Divulgação |
Espécies em Extinção, uma escultura antiguerra: tudo bem conceitual, entende? |
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Quando Yoko Ono conheceu John Lennon, ela já tinha uma carreira artística. Fazia parte de um grupo de vanguarda conhecido como Fluxus, dono de alguma notoriedade. Ao casar-se com o beatle, porém, Yoko se viu convertida em "mulher de Lennon". E, depois do assassinato do cantor, em 1980, em "sua viúva". O vínculo com o grande ídolo eclipsou tudo o mais que ela pudesse fazer. Justiça? Injustiça? A partir do sábado 10, o público brasileiro poderá conhecer o trabalho da artista japonesa de 74 anos na mostra Yoko Ono – Uma Retrospectiva, que será aberta no Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo. A exposição traz oitenta obras, entre instalações, fotografias, músicas, filmes e objetos. Antes disso, na quinta-feira 8, ela subirá ao palco do Theatro Municipal de São Paulo para apresentar Uma Noite com Yoko. A arte de Yoko sempre teve uma dimensão performática: em Cut Piece, de 1964, o público era convidado a cortar, com uma tesoura, pedaços da roupa da artista, até que ela ficasse completamente nua. Calma, São Paulo. Por aqui, devem ser só músicas e projeções.
Filha de uma família abastada, Yoko estudou nos melhores colégios do Japão – foi colega de aula do escritor Yukio Mishima – e milita no mundo das artes desde o início dos anos 60. Conheceu John Lennon em 1966, quando ele foi a uma exposição dela e se encantou com Ceiling Painting (Pintura no Teto), composta de uma escada branca em cujo topo estava escrita a palavra "yes". "John dizia que aquele foi o começo do nosso romance. Mas eu não sabia que estava dizendo 'sim' para ele", contou ela em entrevista a VEJA. Ceiling Painting é uma obra típica da arte conceitual, vanguarda dos anos 60 e 70 que dava mais importância ao "conceito" do que à obra em si – daí a profusão de instruções, legendas, palavras. Pobre derivativo da arte do francês Marcel Duchamp, a arte conceitual não foi muito mais do que uma moda, hoje mais antiquada do que calça boca-de-sino.
Entre as obras mais curiosas da mostra, estão dois trabalhos em vídeo. Fly acompanha a viagem de uma mosca pelo corpo de uma mulher nua, que não se mexe nem quando o inseto passeia por seus lábios e seios. Dura excruciantes 25 minutos, com direito a uma trilha sonora bem típica da artista – ruídos e gritos. Bottom tem mais humor: mostra o traseiro nu de alguns amigos de Yoko, filmados enquanto caminhavam. Outras obras são engajadas. Yoko e Lennon certa vez passaram uma preguiçosa semana na cama para pedir paz. Ela continua erguendo a mesma bandeira vaga: sua instalação mais recente, Imagine Peace Tower, foi inaugurada no início do mês passado na Islândia e pretende "trazer luz ao mundo". Em São Paulo, estará em exposição a Objetos de Sangue, que traz roupas e artefatos do dia-a-dia manchados de sangue, representando (é um lance conceitual, entende?) a opressão à mulher. O mesmo tema aparece na canção Woman Is the Nigger of the World (algo como A Mulher é o Crioulo do Mundo). "Quando escrevi essa letra, o número de mulheres vítimas de violência doméstica nos Estados Unidos era alarmante, e não mudou muito desde então", diz Yoko. No mesmo registro feminista, há uma obra chamada My Mummy Was Beautiful (Minha Mamãe Era Bonita), com fotos de seios e vaginas. "Não sei por que o público ficou horrorizado. Nós saímos de uma vagina", ironiza ela. A obra de Yoko Ono é isso aí. Não resta dúvida de que seu projeto artístico mais notável foi se casar com John Lennon.