Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, novembro 08, 2007

Vai faltar gás, se não chover



Coluna - Carlos Alberto Sardenberg
O Globo
8/11/2007

Ministros da Fazenda não precisam ser tributaristas. Mas também não precisam fazer a confusão que fez Guido Mantega quando tentou explicar a proposta de devolução da CPMF a "milhões" de brasileiros via abatimento no imposto de renda. O desentendimento ao vivo entre Mantega e seu secretário da Receita, Jorge Rachid, em entrevista coletiva na última terça-feira, já foi constrangedor. Mais ainda quando Rachid voltou a falar com os jornalistas para explicar que Mantega havia confundido imposto devido com saldo a pagar ou restituir.

Mas o pior de tudo passou meio batido. O desconto no imposto de renda não elimina a CPMF, que continua a ser paga por todos os brasileiros e pesando mais no bolso dos mais pobres.

Observem os números: com o desconto no IR, limitado a um teto de R$214,47, a Receita calcula que deixará de arrecadar cerca de R$2 bilhões em 2008. E qual a previsão de arrecadação da CPMF para o ano que vem? Pelo menos R$40 bilhões. Ora, quem paga isso? Os contribuintes brasileiros que fazem alguma transação, pagam ou recebem. Ou seja, praticamente todos.

A CPMF vai sendo paga ao longo de toda a atividade econômica. A montadora de automóveis morre com a CPMF quando paga o fornecedor de pneus, que, por sua vez, recolheu a contribuição ao pagar pela borracha, e assim por diante. Quando o consumidor final vai à loja e compra o carro, paga de novo a CPMF, mas apenas uma parcela. Isso porque o valor cumulativo da CPMF, cobrada ao longo da cadeia de produção, está embutido no preço da mercadoria, assim como aparece como custo nas transações financeiras, como financiamentos.

Resumo da ópera: na maior parte do processo, foram as empresas e os bancos que recolheram a CPMF à Receita, mas quem está pagando, de fato, é o consumidor final. Por isso a CPMF é um imposto ruim. Está embutido no preço da mercadoria, de modo que ricos e pobres pagam a mesma coisa quando compram o produto. É como nos impostos incluídos na conta do telefone: a operadora recolhe, mas não é ela que está pagando.

Logo, a fórmula do ministro não isenta ninguém, apenas dá um desconto para pessoas físicas que declaram e pagam IR e estão no mercado formal. Foi uma conta nas coxas. Pegou-se o salário dos que ganham até R$4.340 e calculou-se quando pagariam de CPMF se sacassem todo o dinheiro recebido. Dá aquele teto de R$214,47. Mas essa seria apenas a contribuição recolhida diretamente pela pessoa - a menor parte, somando os tais R$2 bilhões, ou menos de 5% do que se arrecada com toda a CPMF.

Logo, o nome da coisa é um desconto no IR, o que beneficia um número muito limitado de brasileiros. Chamar isso de isenção ou devolução da CPMF é um equívoco enorme, algo tão ruim quanto a própria fórmula proposta pelo ministro, exemplo da desastrosa qualidade da gestão.

Tão desastrosa, aliás, quanto a administração do setor aéreo. Não se pode culpar o governo pela quebra da BRA, mas há responsabilidades públicas. O apagão aéreo - este, sim, culpa do governo - impôs custos e reduziu a rentabilidade das companhias. As grandes, TAM e Gol, que controlam 90% do mercado, acusaram o golpe com queda nos lucros. As menores, claro, sofrem mais. Acrescente-se aí a má administração da BRA, e o estrago está feito.

Previsível, porém. A companhia não quebrou de um dia para outro. Foi parando aos poucos, emitindo sinais evidentes num mercado tão regulado e controlado pelo governo. Entretanto, na mesma terça-feira das confusões de Mantega, mais de duas horas depois de todo mundo estar sabendo que a BRA havia parado, o Ministério da Defesa comunicava que a Anac ainda não recebera informação oficial, mas, mesmo assim, ia despachar uma equipe para avaliar a situação da companhia. E olha que o ministro Nelson Jobim estava reunido com o pessoal da Anac, Infraero e Aeronáutica.

Só na manhã de quarta-feira a Anac começou a tomar as providências para administrar as passagens já vendidas.

E as linhas da BRA? E seus lugares nos aeroportos? Vão para alguma outra companhia? Morrem? Qual a idéia: concentrar ou desconcentrar o setor?

Tudo isso na mesma semana em que se verificou que, no atual modelo energético, faltará gás se não chover.

E estão contratando mais gente para o governo!

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