Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, novembro 14, 2007

A tese tabajara



Artigo - Alexandre Schwartsman
Folha de S. Paulo
14/11/2007

Para que nossa capacidade de expansão de longo prazo suba 1% ao ano, o investimento deveria ir de 17% para 22%

QUANDO COMECEI a escrever esta coluna, há pouco mais de um ano, era disseminada a crença de que a demanda doméstica não conseguiria crescer, "sufocada" pela taxa de juros. Ante, mais tarde, as evidências de que a demanda doméstica vinha se expandindo a uma velocidade considerável (e, acreditem, ainda não vimos o final dessa história), o argumento mudou: a demanda poderia crescer, mas importações em alta impediriam que essa expansão se traduzisse em maior produção doméstica.
À luz, porém, da vigorosa expansão da produção e da conseqüente elevação da ocupação da capacidade instalada, houve nova metamorfose: a versão mais atual de "seus problemas terminaram" agora aponta para o crescimento do investimento acima do PIB (10% contra 5% nos últimos quatro trimestres) como evidência de que o aumento da produção conseguirá acomodar a expansão da demanda. Mantendo a tradição, não se segue a tal afirmação nenhuma tentativa de tradução em números, por exemplo, sobre quanto a mais de crescimento sustentável a evolução mais favorável do investimento implicaria.
Em trabalho recente, no entanto, mais uma vez com a colaboração de Cristiano Souza, estimamos que uma elevação equivalente a 1% do Produto Interno Bruto do investimento implica um aumento em torno de 0,2% ao ano de crescimento sustentável (com alta probabilidade entre 0,15% e 0,25% ao ano). Vale dizer, para que nossa capacidade de expansão de longo prazo cresça 1% ao ano, o investimento -medido como proporção do PIB- deveria aumentar de 17% para algo como 22%. Considerando a margem mencionada acima, o investimento precisaria crescer entre 4% e 6,7% do PIB.
Mantida a expansão do investimento 5% ao ano mais rápida que o PIB, precisaríamos de 4,5 a 7 anos para atingir essa meta (5,5 anos em nosso caso central). Essa conclusão sozinha já deveria esfriar consideravelmente o entusiasmo em torno da tese tabajara, mas há outras implicações que precisam ser consideradas.
De fato, como manda a consistência macroeconômica, para aumentar o investimento em 5% do PIB, é imperativo que outros componentes da demanda agregada (consumo privado, consumo público e saldo em conta corrente) reduzam sua participação nesse total. Parte disso parece já estar vindo do encolhimento dos superávits em conta corrente, mas, se a história nos ensina algo, é bom não contar com isso como fonte durável de financiamento do investimento. A escolha, pois, reduz-se a diminuir o consumo privado ou o consumo público, e, dado o histórico nacional, eu não apostaria num ajuste baseado na redução do gasto público.
Como ninguém, acredito, quer reduzir o consumo privado, o cenário mais provável que emerge na ausência de ajuste fiscal é uma expansão apenas moderada do investimento como proporção do PIB e, conseqüentemente, uma expansão muito aquém da desejada de nosso potencial de crescimento, que não será resolvida com a tese tabajara.

A última do Sicsú
Considerando tudo o que escrevi acima, é alvissareira a moderação de João Sicsú ("Valor", 9/10/07), que agora pede a contratação de apenas 1 milhão de novos funcionários públicos (antes, queria mais 2 milhões só de fiscais), ao acanhado custo de 2% a 2,5% do PIB, metade do que originalmente sua proposta implicava. Com isso, em vez de reduzirmos nosso potencial de crescimento em 1% ao ano, o reduziremos em tão-somente 0,5% ao ano, o que, convenhamos, é um enorme progresso.

ALEXANDRE SCHWARTSMAN, 44, é economista-chefe para América Latina do Banco Real, doutor pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central.
Internet:
http://www.maovisivel.blogspot.com/
alexandre.schwartsman@hotmail.com

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