Entrevista:O Estado inteligente

sábado, novembro 10, 2007

A surpresa no caso da BRA é saber como ela voava

Derrubada por urubus

A BRA pára de voar, o que não é surpresa.
Incrível é ela ter conseguido operar por tanto tempo


Fábio Portela

Wilton Junior/AE
Passageiros da BRA pedem reembolso de suas passagens no Rio: eles ficaram na mão

Durou apenas oito anos o vôo da BRA, a operadora de turismo que se tornou a quarta maior empresa aérea do país. Na última terça-feira, a companhia se espatifou, deixando 70.000 clientes com passagens nas mãos. A empresa foi abatida por uma dívida de 170 milhões de reais. A derrocada da BRA foi tão veloz quanto sua ascensão. Há menos de um ano, o dono da companhia, Humberto Folegatti, convenceu um grupo de investidores a injetar 180 milhões de reais no seu negócio. Entre eles, tubarões do mundo financeiro como o banco americano Goldman Sachs e o fundo Gávea, do ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga. Há cinco meses, Folegatti foi mais longe. Anunciou a compra de vinte aviões da Embraer por 750 milhões de reais, um negócio festejado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na seqüência, foi autorizado a ampliar suas rotas internacionais, voando também para a Itália, além de Espanha e Portugal. Em público, a BRA tinha planos de cutucar o duopólio TAM e Gol. Na realidade, já estava em rota de colisão com o colapso financeiro. O dinheiro injetado na companhia foi sugado por ralos ainda não esclarecidos. O que se sabe é que, quando fechou as portas, menos de doze meses depois, a BRA tinha apenas 100.000 reais para fazer frente a seus compromissos.

Germano Lurdes
Folegatti, dono da BRA: brigou com investidores e acelerou a quebra da empresa

Várias dúvidas advêm da quebra da empresa. Para onde foi o dinheiro? Por que os investidores privados não impuseram uma gestão profissional à BRA? Por que a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) deixou a companhia definhar sem intervir? Ninguém sabe ao certo. Mas pode-se dizer, com tranqüilidade, que o destino triste da BRA tem relação direta com sua origem. Quando foi criada, em 1999, a BRA vendia bilhetes de seus dois aviões pelo preço de uma passagem de ônibus. No ano seguinte, Folegatti convenceu o antigo manda-chuva da Varig, Yutaka Imagawa, a criar uma subsidiária para explorar vôos fretados. A sociedade permitiu que Folegatti ocupasse os aviões da Varig com os clientes de sua empresa de turismo, a PNX. Era uma parceria esquisita. A PNX ficava com o bônus; a Varig, com o ônus. Uma auditoria feita pela Varig após a saída de Imagawa mostra que ela perdeu 40 milhões de reais com a parceria. Parte do dinheiro que a Varig perdeu foi usada por Folegatti para expandir sua rede de lojas. Em 2003, ele já tinha 150 pontos-de-venda, o suficiente para que a BRA começasse a voar com as próprias asas. Folegatti também constituiu uma rede de doze hotéis no Nordeste, que passaram a ser ocupados pelos clientes da PNX e da BRA. O negócio andava bem porque a empresa operava apenas vôos fretados, que só decolavam quando estavam lotados.

Folha Imagem
Zuanazzi, ex-Anac: ele foi avisado de que a BRA poderia entrar em colapso, mas quis contornar o problema

Os problemas começaram de forma mais aparente em 2005, quando o governo exigiu que a BRA assumisse linhas regulares, e a receita começou a desandar. Folegatti não tinha capacidade gerencial para administrar uma empresa nessas condições, em que um pequeno desequilíbrio pode se transformar em um buraco sem fundo. Ainda assim, o empresário convenceu Goldman Sachs, Armínio Fraga e outros investidores do contrário. Eles colocaram dinheiro na BRA sem perceber os caminhos financeiros obscuros que conectavam a companhia de aviação às demais empresas de Folegatti. Erraram logo no início. Quando exigiram que as contas da empresa aérea fossem separadas das da PNX e dos hotéis, descobriram que a BRA dava prejuízo. Dos 180 milhões de reais investidos pelos banqueiros, 70 milhões foram gastos no pagamento de dívidas atrasadas. Os 110 milhões de reais restantes foram consumidos, segundo a empresa, em despesas operacionais. Folegatti resistiu até setembro, quando o dinheiro acabou. O empresário tentou arrancar mais 30 milhões de reais de seus sócios, com o compromisso de investir uma quantia igual de seu próprio bolso. A proposta foi rejeitada pelos investidores, que enxergaram na crise uma oportunidade para tentar tomar o controle da empresa. Decidiram asfixiar Folegatti financeiramente para forçá-lo a vender sua participação. Esperavam obter lucros em 2009, quando pretendiam abrir o capital da BRA, numa operação que, imaginavam, lhes renderia 2,8 bilhões de reais, quinze vezes mais do que investiram. Os urubus sobrevoavam a BRA. E não só figurativamente: nos últimos meses, as turbinas de três dos dez Boeing da BRA se quebraram ao tragar esses pássaros. Um quarto avião parou em Madri com problemas na turbina. Abandonada pelos donos, a BRA não tinha peças de reposição nem dinheiro para comprá-las. Com os jatos no chão, a empresa entrou em queda livre. Suas rotas internacionais foram canceladas, e as vendas caíram 20%. Em outubro, ela recebeu 448 autuações da Anac por overbooking, cancelamento de vôos e mau atendimento. Milton Zuanazzi, ex-presidente da agência, foi avisado por técnicos da Anac de que a crise da BRA poderia colocar em risco a segurança dos passageiros. Eles sugeriram que Zuanazzi abrisse um processo administrativo para cassar a autorização de vôo da empresa. Zuanazzi ignorou o aviso e a BRA se esfacelou por conta própria.

Filipe Araujo/AE

O Learjet que caiu em São Paulo: oito novas vítimas da crise aérea

A quebra da BRA é somente mais um capítulo da crise aérea que parece não ter fim. Apenas dois dias antes de a BRA sair do ar, um Learjet de outra companhia, a Reali Táxi Aéreo, caiu sobre três casas a 800 metros do aeroporto do Campo de Marte, em São Paulo, de onde havia decolado. O piloto, o co-piloto e seis pessoas de uma mesma família que estavam reunidas para o almoço de domingo morreram no acidente. A polícia investiga se houve falha mecânica no treinamento dos pilotos e também se o avião foi abastecido com combustível adulterado. O ministro da Defesa, Nelson Jobim, que assumiu a pasta em julho com a missão de solucionar a crise aérea, admitiu que a fiscalização sobre a aviação particular também é falha. Sobre a BRA, Jobim limitou-se a dizer que se trata de "um problema de mercado". Um problema de mercado que a Anac, chefiada por Jobim, tinha obrigação de evitar. Na sexta-feira passada, o ministro anunciou que a OceanAir vai assumir as operações da BRA. O poder público, enfim, agiu. Tarde demais. De novo.

Com reportagem de Julia Duailibi e Victor De Martino

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