Em um romance perturbador, uma mulher tenta
entender o que levou o filho a cometer uma chacina
Miguel Sanches Neto
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Chacinas como a da escola Columbine, nos Estados Unidos – na qual dois estudantes armados mataram treze pessoas, entre colegas e professores, em 1999 –, costumam desafiar toda explicação. As respostas automáticas quando o tema é a violência juvenil não parecem suficientes. Não, os assassinos adolescentes não são vítimas da exclusão social ou fruto do descaso dos pais. A americana Lionel Shriver, de 50 anos, escreveu um livro polêmico e primoroso do qual essas teses primárias saem totalmente demolidas: Precisamos Falar sobre o Kevin (tradução de Beth Vieira e Vera Ribeiro; Intrínseca; 464 páginas; 49,90 reais). Sétimo romance da autora, a obra ganhou o Prêmio Orange, da Inglaterra, em 2005, e se tornou best-seller – merecidamente. Uma de suas grandes qualidades está na forma como a escritora evita os estereótipos sobre o tema. O assassino que ela criou não pertence a minorias, não vem de família desestruturada nem foi rejeitado na escola.
Kevin é um menino bonito e introspectivo, mimado pelo pai e admirado pelos professores. Sua mãe, Eva, narradora do romance, também é dedicada ao garoto, apesar dos desentendimentos que os separam. No entanto, ele é uma criança perversa, que distribui maldade ao seu redor. Esse jovem de classe média assassina onze pessoas, num crime planejado com muita frieza. Depois de recusar as razões mais óbvias para a chacina, a narradora apresenta duas respostas de ordem mais existencial: os jovens matam com um senso de espetáculo, para ocupar um lugar no mundo das celebridades, e porque são atormentados pelo senso de absurdo numa sociedade fundada no materialismo.
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Lionel Shriver e os assassinos de Columbine (acima): crimes que desafiam os clichês |
Eva Khatchadourian, a mãe de Kevin, é ela mesma assolada por uma sensação de permanente absurdo. Tem o sentimento de ser uma estrangeira em seu próprio país. Ela recusa os valores americanos mais consumistas e enaltece suas origens armênias. Por ironia, casa-se com um típico americano, que encarna os valores que ela abomina. Dentro de uma casa com ideais antagônicos, filho e mãe mantêm uma relação de conflito. A inadequação de Eva é intensificada com o crime de Kevin, que destrói a própria família. Esse, aliás, parece ser o grande objetivo oculto de sua perversidade.
Depois da tragédia, Eva resolve escrever para entender o ato do filho, empreendendo um monólogo solitário sobre a maternidade em uma série de cartas. Mesmo se passando nos dias de hoje, com referências a e-mails, Precisamos Falar sobre o Kevin retoma a tradição do romance epistolar, em uma narrativa mais lenta – que nem por isso se cala diante dos sentimentos mais selvagens da mãe. O romance termina, no entanto, com um fio de esperança. Depois da imensa incompreensão mútua e das piores conseqüências, a mãe e o filho – que cumpre pena em um presídio – começam a expressar seus afetos. Eva, a estrangeira, talvez possa fazer da maternidade sua terra natal.