Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, novembro 21, 2007

Mortos sem registro



Artigo - Ruy Castro
Folha de S. Paulo
21/11/2007

Os pesquisadores do futuro, ao estudar a guerra do tráfico em nossas cidades, ficarão zonzos. Pelo volume de material nos arquivos, poderão jurar que, em meio aos confrontos armados e chacinas, passávamos o dia driblando as balas nas ruas. E talvez não entendam que havia grandes diferenças entre um confronto armado e uma chacina. Eis algumas.
Os confrontos armados costumam se dar no morro. As chacinas, na periferia. Num confronto armado, tanto a polícia quanto os bandidos estão sujeitos a matar ou a morrer. Na chacina, só os bandidos morrem, desarmados e indefesos -ou não seria uma chacina. Além disso, no confronto armado sabe-se quem mata. É a polícia. Na chacina, não se sabe.
Nos confrontos armados, é comum haver balas perdidas que atingem inocentes e causam grande dor. Na chacina, não há balas perdidas. Todas têm endereço certo: na cabeça, no tórax ou pelas costas dos chacinados -a economia de munição é notável.
Outra diferença é que o confronto armado é público. A imprensa é avisada de que a polícia vai subir tal morro e, corajosamente, sobe atrás, com suas câmeras e canetas. Os bandidos também são avisados. O resultado pode ser visto pouco depois ou ao vivo, nos telejornais, com tiroteio em estéreo e dolby. Já a chacina, considerada profilática, é um negócio particular, sem testemunhas. Você só fica sabendo bem depois que aconteceu. Quando fica.
Sim, porque, para cada chacina que vem a público, há pelo menos outra tão discreta que ninguém fica sabendo e cujas vítimas nunca são encontradas. Este ano, até sábado último, tivemos segundo a Folha 25 chacinas em São Paulo, com 99 mortos. Este é o número oficial. Mas o 100º sorteado nesta profilaxia há muito que já pegou o boné, sem pijama de madeira ou nome no jornal.

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