A divisão do bolo
A discussão sobre a prorrogação da CPMF, ou até mesmo a sua eternização, passando o “P” de provisória a ser “P” de permanente, como sugeriu ontem o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, traz em seu bojo uma discussão mais ampla que não será aprofundada neste momento, em que a luta política pelos R$ 40 bilhões que arrecada não permite tranqüilidade suficiente para uma análise além do superficial.
Mas o fato é que, em um PIB de R$ 2,3 trilhões, o tamanho do Estado brasileiro está próximo de R$ 800 bilhões, o equivalente a uma carga tributária de 36%, devido à nossa aposta, feita na Constituinte de 1988, num modelo de distribuição de renda.
A “Constituição-Cidadã”, com a qual Ulysses Guimarães sonhava chegar à Presidência da República, trocou o modelo do esperar o bolo crescer para depois dividir, da ditadura militar, pela distribuição imediata. Repetindo o ex-presidente Fernando Henrique, que certa vez disse que não poderia cortar gastos sociais porque crianças morreriam, o presidente Lula foi mais explícito que nunca, com o empresariado, afirmando que a carga tributária tem que continuar alta para financiar maiores gastos públicos sociais.
O economista do BNDES José Roberto Afonso, em artigo na revista “Nueva Sociedad”, editada pela fundação alemã social-democrata Friedrich Ebert, e na audiência pública do Senado sobre a CPMF, levanta a questão básica: a sociedade brasileira não consegue conciliar boas políticas econômicas e sociais? Para José Roberto Afonso, “se há vantagens como universalizar a prestação de serviços sociais básicos e expandir fortemente a concessão de benefícios previdenciários e assistenciais”, essa política também trouxe desvantagens, “como a necessidade de uma carga tributária muito acima da média das economias emergentes e deteriorando a qualidade da tributação no país”.
Portanto, raciocina, “se houve uma inequívoca melhora nas prestações de ações e serviços básicos, e nas concessões de benefícios, também é fato que o padrão de financiamento de que se precisou lançar mão está prejudicando o desempenho da economia, com evidentes danos às condições de sua competitividade externa”.
O economista critica a utilização de instrumentos como a DRU (desvinculação de recursos da União), que permite que o governo use 20% das verbas do orçamento como quiser, e a CPMF, que considera atalhos curtos e cômodos para “recarga tributária, recentralização federativa, reducionismo do social e relaxamento fiscal”.
Em contraponto, propõe um conjunto de alternativas para o que chama de “um processo de mudanças estruturais, que comecem por implantar um ajuste fiscal imediato e autêntico nas contas federais, e que abram caminho para uma reestruturação orçamentária, tributária e fiscal”.
Também o economista Luiz Guilherme Schymura, presidente do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas do Rio, vai pelo mesmo caminho, chamando a atenção para os “benefícios distorcidos” de programas governamentais, como a aposentadoria por tempo de contribuição, o sistema de pensões e a universidade gratuita, que em tese distribuiriam renda.
No artigo citado, José Roberto Afonso aprofunda a discussão sobre a dicotomia entre econômico e social e a dificuldade para conciliar uma boa política social com crescimento econômico. É consenso a busca de espaço fiscal, que abra novas possibilidades para uma retomada acelerada e firme dos investimentos em infra-estrutura e, ao mesmo tempo, não constitua retrocessos na universalização do acesso da população aos bens e serviços públicos, diz ele.
As mudanças mais relevantes da Constituição de 1988 resultaram em fortes pressões pela elevação do gasto do governo, “como a universalização do acesso à saúde, a expansão da previdência para trabalhadores rurais e a fixação do saláriomínimo como piso de benefício, a criação de renda mensal vitalícia para idosos e deficientes sem renda”.
José Roberto Afonso destaca que o aumento da carga tributária “tem como contrapartida inevitável e imediata a redução das disponibilidades financeiras do setor privado”.
Não há, diz ele, como dissociar o debate do tamanho e da qualidade da carga tributária do desempenho macroeconômico brasileiro, aquém das demais economias emergentes e ficando para trás até mesmo dentro da América Latina.
Ao financiar tal processo com crescentes tributos indiretos, pergunta José Roberto Afonso, “não se acaba reduzindo a renda disponível do setor privado, freando a expansão da demanda interna e, o pior, penalizando os mais pobres que arcam com ônus proporcionalmente maior devido ao aumento da carga concentrado em tributos indiretos?”.
Enquanto Afonso defende reformas, Luiz Guilherme Schymura defende a revisão de programas que geram distorções no modelo distributivista.
No exemplo do programa de universidade gratuita, diz ele, os beneficiários não pagam para estudar, “mas são pessoas de classe média e classe média alta em sua maioria”.
No caso do programa brasileiro de pensões, “muitos dos pensionistas têm outras fontes de renda além da pensão”. No programa de aposentadoria por tempo de contribuição, “faz-se jus a um benefício após contribuir para o programa ao longo de anos.
Muitos dos beneficiários do programa continuam trabalhando”.
Em todos os programas mencionados, quem se beneficia tem um nível de renda elevado. “Se conseguirmos mudar o enfoque desses programas, já será um ganho extraordinário.
Ou o dinheiro será usado para uma distribuição de renda mais focada, ou para mais crescimento econômico, via redução da carga tributária”.
Entrevista:O Estado inteligente
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