O Globo |
8/11/2007 |
O "probleminha" da falta de gás, como definiu o presidente Lula ontem, pode se transformar em um "problemão" se as negociações da Petrobras com o governo boliviano não avançarem. Mas, a se levar em conta a posição de dois acadêmicos bolivianos que estão em Lima no debate sobre democracia na América Latina promovido pela Academia da Latinidade, a questão se resolverá, pois o governo boliviano tende a ser mais pragmático do que vem sendo o governo brasileiro, pela necessidade de atrair investimentos da Petrobras. Javier Sanjinés, professor adjunto de literatura latino-americana e estudos culturais da Universidade de Michigan, não pensa que seja com arrogância que o governo Evo Morales trata a questão quando diz que a Petrobras terá que aceitar as novas regras do jogo se quiser investir: "Trata-se apenas de aceitar as negociações bilaterais, e nesse sentido também o Brasil tem o direito de tentar impor suas necessidades, suas regras. O Brasil tem todo o direito de pedir regras claras, assim como a Bolívia tem o direito de querer saber claramente quais as vantagens que o Estado vai ter nas novas negociações", diz ele. Também o sociólogo Cesar Rojas Rios ressalta que há uma relação de mútua necessidade, pois "nós necessitamos dos investimentos brasileiros para que o negócio do gás se desenvolva, e o Brasil precisa de nosso gás. É certo que existem novas regras do jogo, mas elas foram pactuadas com o Brasil, que decidiu jogar nesse novo tabuleiro, e esperamos que seja um jogo limpo para os dois atores". Mesmo admitindo que "houve um choque, houve um decréscimo de ganhos" para o Brasil, Cesar Rojas Rios faz questão de ressaltar que "não foi uma nacionalização como as anteriores, com expropriações, expulsões. Creio que houve, por parte da Bolívia, uma consideração ao caso brasileiro", diz ele, que atribui a Lula um papel central nesse comportamento boliviano. O distanciamento que a nacionalização gerou entre os dois presidentes tem que ser superada no encontro em dezembro, espera ele. Para demonstrar que não há nenhuma atitude de arrogância por parte do governo boliviano nessas negociações, Cesar Rojas Rios ressalta: "Enquanto a Bolívia está jogando com o gás o seu destino, o Brasil é uma economia mundial, um país com todas as condições de ter um papel importantíssimo nessa economia globalizada, o que não é o nosso caso. O Brasil está olhando para o futuro, nós estamos tentando sair da pobreza na base de nossos recursos naturais, uma única possibilidade econômica de ir adiante, que é o gás. De forma que nós também pedimos uma consideração em função do contexto boliviano". O fato de que a Argentina tem prioridade sobre o Brasil no fornecimento de gás é explicado pelos dois como sendo uma relação anterior, mas admitem que a magnitude dos investimentos do Brasil pode mudar a situação nas negociações. "Sem dúvida, a magnitude do que estamos negociando com o Brasil é muito ampla, e a Petrobras continua na Bolívia com uma dimensão também maior", lembra o sociólogo Cesar Rojas Rios. Há também suscetibilidades a serem superadas com relação ao gasoduto da América do Sul, pois há a desconfiança de que a Bolívia estaria sendo relegada nessa negociação, em benefício de Brasil e Argentina, pela Venezuela. "Creio que teremos que encontrar um marco mais amplo", diz Rojas Rios. O professor Javier Sanjinés lembra ainda que as negociações ocorrem quando a situação econômica da Bolívia, que não melhorou desde a chegada de Morales ao poder e a conseqüente estatização dos recursos naturais, está entrando "numa transição difícil, em um processo inflacionário que merece termos cuidado. É um momento econômico difícil, inclusive porque não há investimentos na Bolívia". Os dois especialistas bolivianos alegam que não houve, por parte do novo governo boliviano, nenhuma atitude contrária aos investimentos privados, mas admitem que nunca houve um diálogo claro e aberto. Ressaltam, contudo, que "este é um caminho de duas mãos", como diz Sanjinés. Ele considera o problema da região de Santa Cruz "grave" e diz que vai depender da habilidade do governo superar a crise. No entanto, ressalta que "as regiões têm que entender que o governo é central, não pode aceitar autonomias econômicas de regiões". Já o sociólogo Cesar Rojas Rios ressalta que "certamente já não há na Bolívia uma identidade entre poder econômico e poder político, e isso gerou uma situação que se reflete na nova oposição das regiões e nos prefeitos, um conflito político que tem a ver com a disputa de poder". Segundo ele, essa nova oposição está "tentando reduzir ao máximo a mudança de poder, e isso gera conflitos. Querem continuar com o processo neoliberal que existia anteriormente. Há uma disputa de competência de gestão, mas há também a tentativa de repartir os recursos naturais, e nisso o governo central não quer ceder". Para Cesar Rojas Rios, dos dois fantasmas que havia a partir da chegada de Morales ao poder, um já foi superado, o de que se poderia produzir uma revolução violenta. "Temos uma revolução que se está processando dentro da democracia", avalia. O outro perigo, o separatismo, continua assombrando. Na sua análise, o processo indígena e o processo autonomista vêm avançando paralelamente: "Tivemos a Assembléia Constituinte de um lado e o referendo autonomista de outro lado. Não ganharíamos nada com a violência, perderíamos o que já avançamos nos dois lados". |
Entrevista:O Estado inteligente
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quinta-feira, novembro 08, 2007
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