Entrevista:O Estado inteligente

domingo, novembro 11, 2007

Ilusões perdidas e o futuro de uma ilusão Pedro S. Malan

Pedro S. Malan


O Brasil vem mudando - para melhor -, particularmente depois da derrota da hiperinflação com o lançamento do Plano Real, em 1994. Mas o País já vinha mudando antes, como sempre acontece. O próprio extraordinário sucesso do real, que completou há pouco seu 13º aniversário, só foi possível porque aprendemos com os erros e acertos das experiências anteriores do Brasil e do mundo.

A agenda pós-hiperinflação se confundia com a vasta agenda, inconclusa, do desenvolvimento econômico e social de um país que tentava se livrar da dependência da droga inflacionária: tarefa de várias administrações, baseadas no trabalho das que se lhe antecederam.

Neste sentido, tenho esperanças - que espero não sejam de todo insensatas - de que as bravatas políticas da infindável novela do "nunca antes, jamais na História deste país", cederão, gradualmente, à voz da razão, que não é alta, mas não descansa enquanto não encontra alguma audiência. E que mais pessoas de boa-fé e honestidade intelectual, sem o olhar toldado pela ideologia e pela paixão, reconhecerão que o Brasil não começou a ser construído em 2003. E que não há sentido em certas apropriações indébitas que contrariam os fatos - do tipo "a inflação baixa é uma conquista do governo Lula", ou "nunca antes os pobres haviam recebido transferências diretas de renda", ou ainda "nunca antes a política externa do Brasil havia sido não subserviente", etc. Infindáveis litanias que em nada contribuem - ao contrário - para a busca das convergências possíveis nos assuntos que realmente importam para o futuro do País.

Permitam-me um exemplo. Em 1995, o governo FHC mobilizou-se para retirar da Constituição federal as restrições ao investimento privado em telecomunicações, energia, transportes, portos e outras áreas de infra-estrutura. Não o fez por razões ideológicas ou movido por inconfessáveis e perversos propósitos "neoliberais" - essas baboseiras ad nauseam repetidas. Fê-lo porque, em sua avaliação, o Brasil - não o governo da hora - necessitava de maiores investimentos nessas áreas. E os números, a avaliação técnica e um responsável pragmatismo indicavam claramente que o governo e suas empresas, por si sós, não tinham a menor condição de efetuar os investimentos necessários sem financiamento inflacionário, poupança forçada ou inaceitável agravamento do quadro fiscal a médio e longo prazos.

Essas mudanças constitucionais encontraram ferrenha e sistemática oposição do PT (que, de resto, se opôs ao real, ao saneamento do sistema financeiro, à Lei de Responsabilidade Fiscal e à abertura comercial e financeira, entre outras atitudes destrutivas). Mas o fato é que essas mudanças - todas - foram feitas e beneficiaram e beneficiam extraordinariamente o governo Lula. Ainda que este governo não o reconheça de público. O que é compreensível por razões políticas, mas não menos desonesto intelectualmente, já que haveria forma de reconhecê-lo, de boa-fé, sem parecer ingênuo politicamente, como o ministro Palocci demonstrou, enquanto lá esteve.

Entretanto, vale lembrar que no mês passado o governo atual, após longo e tortuoso processo, obteve sucesso na realização de leilão para concessão de rodovias à exploração privada por 25 anos. Detalhes técnicos e operacionais de lado, o fato é que pelo menos uma parte do PT teve suas ilusões perdidas e hoje reconhece algo que sempre teve enorme dificuldade de entender e aceitar: o desenvolvimento do Brasil exige a participação expressiva do investimento privado - doméstico e estrangeiro - nas várias áreas da infra-estrutura do País, antes vistas como prerrogativas quase exclusivas do setor público.

Mas, se uma parte do PT e do governo hoje reconhece suas ilusões perdidas, há outra parte, também do PT e bem representada neste governo, que aposta no Futuro de Uma Ilusão (Freud, 1927), que não considera de forma alguma perdida e que caberia agora com ênfase reafirmar: o setor público como motor do desenvolvimento econômico e social por meio da expansão significativa de seus gastos correntes.

O presidente do principal instituto de pesquisa e planejamento do governo declara, em alto e bom som, que o Estado brasileiro é "raquítico" em termos de sua dimensão e que com este raquitismo é impossível alcançar o desenvolvimento desejado. Há que contratar mais gente para tal empreitada. Seu principal macroeconomista denuncia o "nanismo" do Estado e "demonstra" que o Brasil tem menos servidores por quilômetro quadrado que a Bélgica, um argumento que deve considerar definitivo a seu favor. Membros deste governo já expressaram seu desejo de que a Eletrobrás fosse transformada na "Petrobrás do setor elétrico". O mesmo presidente do principal instituto propôs no mês passado a criação "de uma empresa estatal do agronegócio" e, na semana passada, defendeu um eventual aumento da alíquota da CPMF. O governo anuncia sua intenção de contratar 300 "especialistas em infra-estrutura" para tocar o PAC. E por aí adiante. Não é de estranhar que os gastos correntes do governo estejam crescendo cerca de duas vezes mais rapidamente que as taxas do crescimento do PIB. Apesar do enorme apelo eleitoral desta "política", no curto prazo esta situação não é sustentável ao longo do tempo, como Palocci e Bernardo tentaram - sem sucesso - convencer Lula e o resto de seu governo ao final de 2005. Mas este tipo de ilusão não tem futuro.

É certo que nosso futuro depende de nossas esperanças, expectativas, desejos, projetos e sonhos. Mas, como escreveu Fernando Gabeira, é possível "sonhar os sonhos errados". E sonhar os sonhos certos deveria incluir ao menos um mínimo de consciência sobre os esforços e as dificuldades envolvidos em realizá-los. Além de reconhecer ilusões perdidas e evitar apostas no futuro de ilusões que nada têm de novas, porque são variantes das perdidas apenas com nova roupagem retórica, marcada por inusitada arrogância.

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