artigo - Jarbas Passarinho |
O Estado de S. Paulo |
13/11/2007 |
No Congresso Nacional, a única voz que se faz ouvir reiteradamente, advertindo sobre a política hegemônica do presidente da Venezuela nas duas vertentes dos Andes e sua conseqüente política armamentista, é a do senador José Sarney, admoestação reiterada em entrevista ao Estado, sintetizados seus argumentos num só: a legislação do Mercosul exige que seus sócios sejam democracias. Vige na Venezuela um regime democrático, rodízio no poder, liberdades fundamentais, inclusive de imprensa, eleições livres? A TV que ousou criticá-lo foi fechada. A revista Veja recentemente mostrou e comprovou o estado lastimável do que é a liberdade na Venezuela, o que reforça a advertência do senador Sarney. Ao pleitear Hugo Chávez a reeleição, as oposições boicotaram a eleição, adiantando que seriam fraudulentas. Resultou num Legislativo constituído somente de eleitores de Chávez, que logo promulgaram a Constituição como lhe aprouve. Mas, declarado “socialista do século 21”, mandou seu povo ler Marx e Lenin. Era imperativo emendar a recente Constituição para ajustar-se ao que mandara ler. Seu Congresso imediatamente as aprovou. Dissentiu o general Raúl Isaías Baduel, decisivo para a volta de Chávez em 2002, que acha as emendas um golpe de Estado, uma das quais lhe dará a Presidência vitalícia. Essa é a democracia venezuelana, mascarada de plebiscitos e referendos, instrumentos democráticos usados para destruir a democracia, como a seu tempo Jean-François Revel mostrou no seu livro Comment les Démocraties Finissent. Reagindo às justas e ponderadas palavras do nosso ex-presidente, um bajulador do caudilho venezuelano o ofendeu, com palavras compatíveis com seu primarismo raivoso. Mas o próprio Chávez insultou o Congresso brasileiro, que criticou o fechamento da TV Caracas (RCTV). Disse-o “papagaio de repetição dos Estados Unidos”. A Câmara dos Deputados dobrou-se ao insulto: aprovou a entrada da Venezuela no Mercosul. A Argentina, também, et pour cause. Até mesmo o presidente brasileiro foi objeto de ressalva ao reclamar Chávez que seu projeto mirabolante do gasoduto de 11 mil km, ligando a Venezuela à Argentina, ainda não se concretizou porque “Lula se desinteressou”. E acaba de ironizar a descoberta da província petrolífera da Bacia de Santos, ao debochar de Lula, chamando-o de “magnata petroleiro” e sugerindo “trocar petróleo por vacas”. Mas o assessor pessoal de Lula, no papel de Itamaraty do B, logo declarou tratar-se de brincadeiras. Entre companheiros de viagem do “socialismo do século 21” tudo se permite. Chávez tem objetivos mais amplos, na revolução bolivariana. Sabe-se que Simón Bolívar, depois de libertar as colônias hispânicas, sonhou com “uma idéia grandiosa de formar de todo o Mundo Novo (América do Sul) uma só nação, com um só vínculo que ligue suas partes entre si e com o todo” (Carta de Jamaica,1815). Mas via no Brasil um obstáculo: “Por desgraça, o Brasil se limita com todos os nossos Estados. Por conseguinte, tem facilidades muitas para fazer-nos a guerra, com sucesso, como quer a Santa Aliança” (Carta de Lima, janeiro de 1825). Em sua obsessão com a Santa Aliança, temia que a Monarquia brasileira fizesse parte dela para combater revoluções republicanas. Pensou em usar nossas lutas pela Banda Oriental, com a Argentina, como pretexto para uma ação comum. Chegou a consultar a Inglaterra, para saber como reagiria no caso de uma guerra contra o Brasil. É verdade que, depois de 1826, mudou de idéia sobre o Brasil. Não é de todo uma paranóia supor que Chávez queira reeditar o Libertador, fazendo do Mundo Novo uma só nação. Não podendo isso, quer realizar uma parte do sonho do Libertador. O mundo é outro, mas os visionários sempre existirão. Napoleão fez da Europa, pelas suas mãos, uma só nação. Terminou seus dias prisioneiro da Inglaterra, na Ilha de Santa Helena. Hitler quis criar um mundo nazista por um milênio. Acabou se suicidando, enquanto os soviéticos conquistavam Berlim. Já devem a Chávez, pelo apoio, os presidentes do Equador e da Bolívia. Desta, já disse, se alguém pretender derrubar Evo Morales, ele reagirá com suas metralhadoras. Não tem só metralhadoras, mas caças supersônicos, que em horas estarão pousando na Bolívia, mísseis terra-ar e o mais equipado Exército da América do Sul. Recebe o “chanceler” da guerrilha comunista, as Farc, assumindo papel de árbitro entre o presidente Álvaro Uribe e os guerrilheiros. A Inglaterra, depois de tomar parte da Guiana Holandesa, como ensina Hélio Viana na História das Fronteiras do Brasil, ambicionou dominar uma via fluvial para a Amazônia, através de formadores do Rio Branco, onde holandeses e portugueses já haviam reconhecido reciprocamente os seus limites. Ainda assim, a Inglaterra insistiu e o rei da Itália, árbitro do contencioso, decidiu favoravelmente à Inglaterra, sentença injusta que nos fez perder a chamada região do Pirara e toda a vasta região a leste do Essequibo da Guiana Holandesa. Chávez considera-se com o direito de anexar ao seu território esta região. Quanto ao Brasil, fica-me a impressão de algum ranço histórico. Eu o vivi, ministro em viagem de trabalho da Unesco a Caracas, quando Richard Nixon recebia Emílio Médici, nos Estados Unidos, e proferira a frase que melindrou nossos vizinhos: “Para onde o Brasil se inclinar, a América do Sul se inclinará.” Jornalistas venezuelanos, acompanhados de estudantes grevistas, me entrevistaram, não para saber das diretrizes educacionais da Unesco, a Universidade Central em greve há dois anos, mas para me indagarem como eu via as palavras de Nixon, que os melindraram. Senti a hostilidade e me limitei a dizer-lhes que o Brasil nunca teve objetivo político hegemônica na América do Sul e que eles erravam de entrevistado. Deveriam ir aos Estados Unidos levar a sua queixa ao presidente Nixon. E dei por encerrada a entrevista. |
Entrevista:O Estado inteligente
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