Entrevista:O Estado inteligente

domingo, novembro 04, 2007

A análise econômica no governo Lula 2

JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN


A declaração do ministro Mantega é um sintoma da queda de qualidade da análise econômica no governo Lula 2

LI COM GRANDE surpresa que o ministro da Fazenda declarou que 80% ou 90% dos brasileiros não pagarão a CPMF. Afinal, desde o século 18, os economistas entendem que há uma diferença fundamental entre quem entrega o imposto devido ao fisco e quem efetivamente arca com o custo do tributo. Há uma extensa literatura em economia que avalia o impacto de impostos no aumento dos preços pagos pelos consumidores, na queda dos salários dos trabalhadores ou na diminuição do rendimento de outros fatores de produção (*). Um exemplo interessante é a contribuição previdenciária nos Estados Unidos, que é, em princípio, dividida igualmente entre empregado e empregador. Estudos empíricos demonstram, no entanto, que a parcela das empresas é na realidade paga em boa parte pelos trabalhadores, na forma de salários mais baixos. Não conheço trabalhos sobre a verdadeira incidência da CPMF no Brasil, mas como muitos outros impostos indiretos, é provável que ela incida sobre todas as faixas de renda.
A afirmação do ministro Mantega poderia ser vista simplesmente como um argumento falso no meio da briga política pela aprovação da CPMF no Senado. Mas a declaração do ministro é um sintoma a mais da queda de qualidade da análise econômica no governo Lula 2.
A discussão sobre o tamanho do setor público no Brasil é outro exemplo. No governo Lula, os gastos da administração central aumentaram em 3% do PIB. Todos sabem que o Estado brasileiro não cumpre tarefas essenciais, tais como garantir a segurança das pessoas, prover educação e serviços de saúde de boa qualidade para as crianças de famílias pobres ou construir a infra-estrutura necessária para o crescimento da economia. Uma parte dos economistas do governo acredita que a solução para todos esses problemas é o aumento do tamanho de um setor público que já gasta cerca de 30% do PIB em consumo e transferências (excluindo juros); uma percentagem muito alta quando comparada com as de outros países com um nível semelhante de desenvolvimento ou até mesmo mais ricos.
Na gestão do ex-ministro Antonio Palocci, a Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda produziu o documento "Orçamento Social do Governo Federal 2001-2004", que avaliou o efeito dos gastos sociais do governo na redução da desigualdade e da pobreza no Brasil e demonstrou que, se a meta é reduzir pobreza, é necessário concentrar recursos em programas como o Bolsa Família, focados na população mais carente. As estimativas da Fazenda eram baseadas em um cuidadoso modelo de microssimulação de políticas públicas que calculava impostos e benefícios por família, utilizando dados da Pesquisa Nacional de Análise por Domicílios. Ao invés de criticar as hipóteses ou os dados utilizados no estudo, o fogo amigo atacou a proposta de focalização como "neoliberal". O comprovado efeito do Bolsa Família na queda da pobreza parece ter calado os críticos. Para melhorar a qualidade do serviço público sem aumentar a já absurda carga tributária, o governo precisa estabelecer um processo semelhante que avalie detalhadamente todos os programas federais. Mas a equipe econômica atual não parece estar interessada nessa tarefa.


* Um resumo técnico desta literatura é o artigo de Don Fullerton e Gilbert Metcalf, "Tax incidence", in: A. J. Auerbach & M. Feldstein (ed.), Handbook of Public Economics, volume 4, Elsevier.

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