Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, outubro 12, 2007

O Senado renuncia a Renan


Pressionado, Renan Calheiros se afasta da presidência
do Congresso Nacional depois de cinco meses de crise


Otávio Cabral

Ag. OBRITONEWS
Acuado, Calheiros bate boca com Demostenes Torres no plenário


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Quadro: Renan, a queda

Na semana passada, depois da revelação de VEJA sobre senadores oposicionistas que foram alvo de uma tentativa de espionagem clandestina, estabeleceu-se o consenso entre as principais lideranças políticas de que chegava ao fim a trajetória de Renan Calheiros como presidente do Congresso. A notícia de que um assessor do gabinete de Renan tentou instalar câmeras de vídeo para flagrar adversários em situações comprometedoras levou representantes de todos os partidos, inclusive do PT e do PMDB, a pedir o afastamento imediato do senador. Acuado diante das evidências de sua participação em mais um crime, Renan não resistiu às pressões. Na quinta-feira, diante de um Congresso vazio, o senador anunciou a decisão de se afastar da presidência por 45 dias. Em um pronunciamento gravado, explicou que estava deixando temporariamente o Senado para preservar a harmonia e cuidar integralmente de sua defesa. Na verdade, Renan Calheiros abandonou o cargo porque não contava mais com o apoio de seus pares. Nos últimos cinco meses, ele se comportou como o dono do Senado. Para se safar das acusações de quebra do decoro parlamentar, interferiu nas investigações, intimidou aliados, denegriu a imagem de colegas. Usou a força que o cargo lhe conferia para constranger e chantagear. Isolado, viu no afastamento a última chance de escapar da cassação. Em seu lugar, assume o vice-presidente, o petista Tião Viana.

Renan Calheiros continuará respondendo no Conselho de Ética às acusações de usar laranjas para comprar emissoras de rádio, de fazer lobby para uma cervejaria, de participar de um esquema de arrecadação de propinas em ministérios do PMDB e de espionar senadores oposicionistas. A diferença agora é que ele será um senador como outro qualquer. Não vai mais poder usar a autoridade para obter informações e conseguir privilégios. Em seu rápido pronunciamento, visivelmente abatido, Calheiros explicou que seu gesto tinha o objetivo de mostrar que ele não precisa usar o cargo para se defender. "Não lancei mão de prerrogativas de presidente do Senado em meu benefício ou contra quem quer que seja", disse o senador. E completou: "Com meu gesto, que é unilateral, preservo a harmonia no Senado Federal, deixo claro meu respeito pelos interesses do país e homenageio as altas responsabilidades das funções que exerço". Engana-se quem pensa que o gesto de Renan Calheiros tem algo de magnânimo. O senador pediu para deixar a presidência depois de assistir a uma insurreição generalizada, após a revelação de que um de seus assessores tentou montar um esquema para espionar os senadores Demostenes Torres, do DEM, e Marconi Perillo, do PSDB. O novo escândalo uniu parlamentares de todos os partidos, que exigiram o imediato afastamento do senador.

Lula Marques/Folha Imagem
Senadores dos seis maiores partidos ameaçaram parar o Congresso a partir de novembro caso Renan Calheiros insistisse em continuar na presidência

"Agora, não é mais uma briga entre governo e oposição. É uma questão suprapartidária. Renan é um paciente terminal que está impedindo a governabilidade do Senado", atestou o senador Aloizio Mercadante, do PT, que, um mês atrás, ajudou na absolvição de Calheiros. "Renan não tem condições éticas e políticas de presidir o Senado por mais um dia. O episódio da espionagem foi a gota d'água. Passou da hora de ele deixar a presidência", disse o senador Renato Casagrande, líder do PSB. "O Senado tem de ter novamente uma cara limpa, o que é impossível com o Renan na presidência", afirmou o líder do DEM, José Agripino. "Renan não é mais o presidente do Senado na prática. Não comanda, não tem autoridade, não tem apoio político. Enquanto ele continuar na presidência, o Senado não anda", acusou o líder do PSDB, Arthur Virgílio. "Chegamos a um ponto de achincalhamento do Senado que não é possível mais suportar. A esta altura, pouco importa se o senador Renan é culpado ou inocente nos processos a que responde", concluiu Jefferson Péres, do PDT, que foi escolhido para relatar o processo que vai apurar os detalhes de como o senador Calheiros usou laranjas para comprar duas emissoras de rádio e um jornal em Alagoas.

Celso Junior/AE
Pressão também na Câmara: deputados fazem abaixo-assinado pela renúncia

O cerco ao presidente do Congresso se intensificou depois da reunião de um grupo de vinte senadores, representando os seis principais partidos – PT, PMDB, PSDB, DEM, PDT e PSB. Além da decisão de apresentar a quinta representação no Conselho de Ética contra Renan Calheiros, o grupo combinou uma estratégia para emparedar o senador. Fixaram o dia 2 de novembro como limite para a conclusão dos processos que já existem contra Renan. A partir dessa data, em protesto, os partidos ameaçaram parar o Congresso. Independentemente do resultado, prometiam que não haveria votações no plenário nem nas comissões enquanto Calheiros permanecesse na presidência. A tática assustou o governo, que tem como prioridade a aprovação da reedição da CPMF até o fim do ano. Renan, até então protegido nos bastidores pela bancada oficial, começou a ser visto como um estorvo. "Há um sentimento crescente para que o senhor se afaste. Não dá para tapar o sol com a peneira. A situação é tão grave que todos nós estamos na iminência de pedir licença", disse em plenário a líder do PT, Ideli Salvatti, até dias atrás uma ferrenha defensora do presidente do Congresso. "Há um rosário de episódios que deprimem o Parlamento e que precisam ter fim. Temos mecanismos para abortar esse processo", ponderou o senador Valter Pereira, do PMDB, até dias atrás um fiel combatente da guarda republicana de Calheiros. Mentores de Renan, como o senador José Sarney e sua filha Roseana, sumiram de cena. Renan percebeu que estava perdendo suas principais posições de defesa e passou a pensar na possibilidade de se afastar da presidência para salvar o mandato.

Alan Marques/Folha Imagem
Ideli Salvatti: a senadora demorou, mas se rendeu aos argumentos contrários a Renan Calheiros

Na quarta-feira, já convencido de que não tinha mais condições políticas para continuar comandando o Congresso, Renan Calheiros propôs um pacto entre as lideranças partidárias. Ele escalou o líder do governo, Romero Jucá – um especialista em negociatas –, para levar uma proposta de paz ao Senado. O senador concordaria em se afastar imediatamente da presidência e, depois de concluídos os processos, renunciaria ao cargo. Em troca, os senadores lhe garantiriam uma pena intermediária, como advertência ou suspensão temporária de mandato. O plano de salvação, porém, não foi aceito. "Não dá para fazer acordo com Renan e passar para a sociedade a imagem de que ele continua dando as cartas no Senado", afirma o líder do DEM, José Agripino. "Renan está isolado, não tem mais como presidir o Senado, não dá mais para falar em licença. Ele sinalizou que sairia do cargo após a absolvição, mas não saiu. Agora não há acordo", diz o senador Mercadante, confirmando finalmente que, como VEJA revelou, existia um "contrato de gaveta" entre os petistas e Renan para que ele se licenciasse do cargo depois de ser absolvido da acusação de usar um lobista para pagar suas despesas pessoais. O senador, como se sabe, foi absolvido com o voto dos petistas e, depois, recusou-se a cumprir o trato. Perdeu a confiança dos aliados.

Orlando Brito/OBRITONEWS
Mercadante: Renan é paciente terminal

A estratégia de Renan Calheiros não é nova e já foi usada em um caso muito parecido. Em julho de 2001, emparedado por uma avalanche de denúncias de corrupção, o então presidente do Congresso, senador Jader Barbalho, também pediu licença do cargo por sessenta dias, achando que, longe dos holofotes, suas maracutaias seriam esquecidas. Como Renan, Jader se dizia perseguido pela imprensa, especialmente por VEJA, que publicou as principais revelações contra o senador. O lado até então desconhecido da vida de Jader Barbalho continuou eclodindo durante seu afastamento da presidência. Dois meses depois, quando a licença estava prestes a acabar, Jader renunciou ao cargo de presidente do Senado. Acuado pelas investigações do Conselho de Ética, para evitar a cassação e a perda dos direitos políticos por dez anos, Jader renunciou duas semanas depois também ao mandato de senador. Sem o escudo do foro privilegiado, o ex-presidente do Congresso acabou preso e algemado sob a acusação de chefiar a máfia da Sudam, um esquema que desviou quase 2 bilhões de reais dos cofres públicos. Desde a primeira denúncia até a prisão do ex-senador passaram-se dezesseis meses. Como se vê, o caso Renan Calheiros ainda está longe de acabar.



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