Dos Estados Unidos não vem ameaça alguma - nem o relaxamento do combate ao narcotráfico pelo governo de Evo Morales, um antigo líder cocalero, criou antagonismos que possam levar à desestabilização do regime. Os países vizinhos, por sua vez, a começar pelo Brasil, têm demonstrado excepcional tolerância e boa vontade com um governo que não respeita tratados e contratos. O golpe de Estado que está em marcha na Bolívia é o do presidente Evo Morales que pretende copiar lá o modelo bolivariano do coronel Chávez. Só quem fala em ameaça de golpe contra o governo boliviano é exatamente o coronel Chávez, com uma insistência que levanta a suspeita de que está interessado nele.
No domingo, sem mais nem porque, em seu programa Alô, presidente, desta vez transmitido de Cuba, o presidente da Venezuela fez sua contra-ameaça: "Se a oligarquia boliviana conseguir derrubar Evo ou assassiná-lo, saibam vocês, oligarcas da Bolívia, que os venezuelanos, não vamos ficar de braços cruzados. Tenham muito cuidado, porque não seria o Vietnã das idéias, seria o Vietnã das metralhadoras, o Vietnã da guerra. Saibam disso."
Hugo Chávez é um falastrão, mas, ao contrário do que muita gente pensa, não é inconseqüente. Não teria feito ameaça dessa gravidade - intervir militarmente em um país vizinho - se a transformação da Bolívia num Estado bolivariano estivesse indo de vento em popa. A oposição boliviana tem travado o projeto de criação de um regime idêntico ao que Chávez está impondo à Venezuela e isso o caudilho não pode tolerar. Ele sabe que seu regime estará ameaçado se não houver regimes fantoches nos países vizinhos - no caso, Bolívia e Equador. Se ficar isolado, cai na irrelevância e estiola.
Sua ousadia suscitou a reação dos partidos bolivianos de oposição, que condenaram a intromissão do caudilho venezuelano em assuntos internos da Bolívia e reclamaram de Evo Morales a "reafirmação da dignidade nacional".
Mas o governo boliviano agradeceu a manifestação de "solidariedade latino-americana" de Hugo Chávez. Pudera! A Bolívia já é uma espécie de protetorado da Venezuela. Os dois países estão ligados por um acordo militar que deu à Venezuela o direito de manter bases militares e tropas na Bolívia. O principal programa assistencial de Morales é pago com cheques assinados pelo embaixador da Venezuela e entregues por ele a prefeitos. Esse embaixador tem escritório e dá expediente no palácio presidencial. O helicóptero em que Morales se desloca pelo país é venezuelano, tripulado por militares venezuelanos. O avião que usa para viagens ao exterior também é venezuelano e venezuelanos são os seus guarda-costas.
No programa de domingo, Chávez revelou que conversou sobre o que chama de "crise boliviana" com o presidente Lula, no encontro que tiveram em Manaus. "Disse a Lula: temos de fazer algo para evitar na Bolívia o que já ocorreu na Venezuela em 2002" - referindo-se à tentativa de golpe que o deixou fora do poder por 48 horas. O caudilho não disse qual foi a resposta de Lula.
Essa resposta só pode ser uma - e deve ser pública, para que não haja dúvidas: o Brasil não apóia a ingerência de quem quer que seja nos assuntos internos de seus vizinhos e fará o que for necessário para manter a soberania da Bolívia. Esse é o único tipo de linguagem que o caudilho compreende e respeita.