Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, outubro 19, 2007

O protetor da Bolívia

A quem interessa um golpe de Estado na Bolívia, para apear do poder o presidente Evo Morales? Na Bolívia, a ninguém. O país está completando 25 anos de regime democrático, trôpego, é verdade, e as forças políticas que desde a independência trocavam o governo pela força, a cada dois anos, já não têm condições para tanto. Os militares já não são protagonistas políticos. Os sindicatos mineiros perderam importância. Os empresários da região mais desenvolvida do país querem autonomia, mas não à custa de sangue e caos. Os partidos dedicam-se apenas à luta parlamentar na Assembléia Constituinte, com a oposição bloqueando as tentativas de Evo Morales de fazer uma constituição "bolivariana", restritiva das liberdades fundamentais. Os movimentos sociais podem criar impasses institucionais, mas não têm estrutura para assumir as responsabilidades do poder autocrático. Na verdade, os presidentes bolivianos que não completaram seus mandatos, nos últimos anos, caíram por suas fraquezas, não em razão de algum golpe.

Dos Estados Unidos não vem ameaça alguma - nem o relaxamento do combate ao narcotráfico pelo governo de Evo Morales, um antigo líder cocalero, criou antagonismos que possam levar à desestabilização do regime. Os países vizinhos, por sua vez, a começar pelo Brasil, têm demonstrado excepcional tolerância e boa vontade com um governo que não respeita tratados e contratos. O golpe de Estado que está em marcha na Bolívia é o do presidente Evo Morales que pretende copiar lá o modelo bolivariano do coronel Chávez. Só quem fala em ameaça de golpe contra o governo boliviano é exatamente o coronel Chávez, com uma insistência que levanta a suspeita de que está interessado nele.

No domingo, sem mais nem porque, em seu programa Alô, presidente, desta vez transmitido de Cuba, o presidente da Venezuela fez sua contra-ameaça: "Se a oligarquia boliviana conseguir derrubar Evo ou assassiná-lo, saibam vocês, oligarcas da Bolívia, que os venezuelanos, não vamos ficar de braços cruzados. Tenham muito cuidado, porque não seria o Vietnã das idéias, seria o Vietnã das metralhadoras, o Vietnã da guerra. Saibam disso."

Hugo Chávez é um falastrão, mas, ao contrário do que muita gente pensa, não é inconseqüente. Não teria feito ameaça dessa gravidade - intervir militarmente em um país vizinho - se a transformação da Bolívia num Estado bolivariano estivesse indo de vento em popa. A oposição boliviana tem travado o projeto de criação de um regime idêntico ao que Chávez está impondo à Venezuela e isso o caudilho não pode tolerar. Ele sabe que seu regime estará ameaçado se não houver regimes fantoches nos países vizinhos - no caso, Bolívia e Equador. Se ficar isolado, cai na irrelevância e estiola.

Sua ousadia suscitou a reação dos partidos bolivianos de oposição, que condenaram a intromissão do caudilho venezuelano em assuntos internos da Bolívia e reclamaram de Evo Morales a "reafirmação da dignidade nacional".

Mas o governo boliviano agradeceu a manifestação de "solidariedade latino-americana" de Hugo Chávez. Pudera! A Bolívia já é uma espécie de protetorado da Venezuela. Os dois países estão ligados por um acordo militar que deu à Venezuela o direito de manter bases militares e tropas na Bolívia. O principal programa assistencial de Morales é pago com cheques assinados pelo embaixador da Venezuela e entregues por ele a prefeitos. Esse embaixador tem escritório e dá expediente no palácio presidencial. O helicóptero em que Morales se desloca pelo país é venezuelano, tripulado por militares venezuelanos. O avião que usa para viagens ao exterior também é venezuelano e venezuelanos são os seus guarda-costas.

No programa de domingo, Chávez revelou que conversou sobre o que chama de "crise boliviana" com o presidente Lula, no encontro que tiveram em Manaus. "Disse a Lula: temos de fazer algo para evitar na Bolívia o que já ocorreu na Venezuela em 2002" - referindo-se à tentativa de golpe que o deixou fora do poder por 48 horas. O caudilho não disse qual foi a resposta de Lula.

Essa resposta só pode ser uma - e deve ser pública, para que não haja dúvidas: o Brasil não apóia a ingerência de quem quer que seja nos assuntos internos de seus vizinhos e fará o que for necessário para manter a soberania da Bolívia. Esse é o único tipo de linguagem que o caudilho compreende e respeita.

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