Nas categorias científicas, a Academia Sueca elege
projetos que se incorporaram ao mundo real
Paula Neiva e Vanessa Vieira
Fotos divulgação |
Na terça-feira da semana passada, ao cruzar com um grupo de alunos no campus do Centro Nacional de Pesquisa Científica da França, o cientista Albert Fert, vencedor do Prêmio Nobel de Física deste ano, notou que muitos deles carregavam iPods. "Vocês se queixam de estudar física? Pois é ela que permite a vocês escutar música nesses aparelhos", provocou o professor. Fert acabara de saber que fora agraciado com o Nobel, junto com o físico alemão Peter Grünberg, e a piada tinha relação com o prêmio. Nos anos 80, a dupla descobriu a magnetorresistência gigante, que permite armazenar mais dados em menos espaço nos discos rígidos. A descoberta fez com que os discos rígidos que equipam os aparelhos eletrônicos se tornassem cada vez menores, possibilitando o surgimento do iPod, dos minilaptops e de celulares com memória magnética. O estudo de Fert e Grünberg baseia-se nos princípios da nanotecnologia. Camadas de cobalto e cobre com poucos átomos de espessura, usadas no leitor do disco rígido, fazem com que ele se torne extremamente sensível, capaz de detectar gravações em áreas muito menores do que nos sistemas convencionais.
Muitas vezes, os prêmios Nobel no terreno das ciências contemplam pesquisas cujo teor é incompreensível para os leigos e que têm pouca ou nenhuma aplicação prática imediata. Com o tempo eles se incorporam, mesmo que indiretamente, ao cotidiano das pessoas. Neste ano, assim como no prêmio de Física, os de Medicina e Química se encaixam nesse caso. Há quatro décadas, quando o químico Gerhard Ertl, professor do Instituto Max Planck, na Alemanha, apresentou os primeiros resultados de seus estudos numa especialidade chamada química de superfície, ninguém apostaria que seu trabalho teria aplicação no mundo real. Hoje, suas descobertas permitem a produção de catalisadores de automóvel mais eficientes e ajudam a explicar os processos que levam à destruição da camada de ozônio do planeta. Os fertilizantes mais modernos também se beneficiam de seus estudos. Tudo isso fez com que Ertl conquistasse o Nobel de Química deste ano.
Uma técnica chamada de nocaute de genes, que permite a manipulação do código genético de cobaias de laboratório, valeu o Prêmio Nobel de Medicina a três cientistas: Martin J. Evans, da Universidade Cardiff, na Inglaterra; Oliver Smithies, da Universidade da Carolina do Norte; e Mario Capecchi, da Universidade de Utah. A partir das descobertas do trio, que não trabalhou em conjunto mas trocava informações sobre suas pesquisas, tornou-se possível induzir em camundongos o aparecimento de doenças de origem genética, com o objetivo de estudá-las. "As semelhanças entre o funcionamento de vários genes dos camundongos e dos seres humanos são enormes", diz a geneticista Mayana Zatz, da Universidade de São Paulo. "Por isso, a técnica proporciona um estudo mais preciso e objetivo do papel dos genes no funcionamento do corpo humano", ela completa. Em termos práticos, essa tecnologia representa um grande avanço para compreender como se desenvolvem os embriões humanos, como ocorre o envelhecimento do organismo e como agem os mecanismos de doenças como diabetes e câncer de mama. Também permite testar novos tratamentos para combater esses males. Até o fim da década de 80, era preciso esperar que o acaso produzisse cobaias doentes, que eram a seguir reproduzidas em laboratório. A safra 2007 dos prêmios Nobel deixa claro como as pesquisas de ponta, cedo ou tarde, empurram as fronteiras da ciência e melhoram a vida de todo mundo.
FÍSICA
Vencedores Por que ganharam o prêmio Para que serve a descoberta |
MEDICINA
Vencedores Por que ganharam o prêmio Para que serve a descoberta |
QUÍMICA
Por que ganhou o prêmio Para que serve a descoberta Fonte: Hamilton Varela, engenheiro químico |
Política, de novo
No Nobel dado a Doris Lessing, mais uma vez
a ideologia é posta à frente do mérito literário
Shaun Curry/AFP |
Doris: "Artisticamente, o prêmio não quer dizer nada" |
"Eu não poderia me importar menos." Foi essa a primeira reação da escritora britânica Doris Lessing quando os jornalistas reunidos em frente à sua casa lhe perguntaram sobre o Nobel de Literatura, anunciado na quinta-feira 11. E acrescentou: "Artisticamente, o prêmio não quer dizer nada". Correto: há muito tempo o Nobel vem sendo criticado pela inconsistência de seus critérios, que tendem a ser mais políticos do que literários. Há décadas lembrada como uma candidata forte, Doris Lessing, que completa 88 anos neste mês, não foge do figurino. Idolatrada pelas feministas (embora recentemente tenha criticado a "preguiça" do feminismo) por obras dos anos 60 como O Carnê Dourado, a autora, nascida na Pérsia (atual Irã), também foi uma crítica dos regimes racistas da África do Sul e da Rodésia (atual Zimbábue), onde cresceu.
O crítico americano Harold Bloom, com a perspicácia de sempre, definiu a escolha da Academia Sueca como "pura correção política". "Suas obras dos últimos quinze anos são ilegíveis. É ficção científica de quarta categoria", diz. O mais recente livro dela, The Cleft (A Fenda, inédito no Brasil), história de um passado mítico da humanidade em que só existiam mulheres, foi recebido com ironia pela crítica. A explicação mais plausível para o prêmio veio da própria escritora: "Eles não podem dar o Nobel para quem já morreu. Decidiram me premiar antes que eu batesse as botas".