Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, outubro 18, 2007

Mosquito previsível



EDITORIAL
O Globo
18/10/2007

O ministro da Saúde mostrou desprendimento ao admitir publicamente que o país enfrenta uma epidemia de dengue. A confissão do problema é um prestimoso aliado no combate às suas conseqüências, pelo tanto de alerta e de convocação à guerra contra a doença que, com tal atitude, se faz à sociedade como um todo. No entanto, por suas características endêmicas, logo passíveis de ações profiláticas mais efetivas, e sazonais, portanto previsíveis, a dengue tem crescido em praticamente todas as regiões do país num ritmo que não se enfrenta apenas com demonstrações de boa-fé ou de reconhecimento de que os índices de vítimas estão fugindo ao controle das autoridades sanitárias.

Na luta contra o Aedes aegypti, o governo "está levando uma surra" - nas palavras do ministro José Gomes Temporão - menos pelas causas naturais, devido às características mutantes do vírus, uma espécie de determinismo ditado pela natureza. Dos quatro sorotipos responsáveis pela proliferação da doença, três já circulam no Brasil.

É no terreno dos efeitos que a coça a que se refere o ministro se torna inaceitável. Seja por incúria, por desqualificação ou mesmo por omissão, os organismos encarregados de enfrentar a epidemia contabilizam um passivo, somente este ano, de 121 óbitos decorrentes do vetor mais letal da doença, a dengue hemorrágica. À parte a insensatez de tal número ter sido resultado de uma tragédia anunciada, a gravidade maior reside na constatação, do próprio Ministério da Saúde, de que todas essas mortes poderiam ter sido evitadas.

Num país que convive há anos com a endemia, já se questionou se o mosquito da dengue seria municipal, estadual ou federal - e felizmente tal diversionismo não resistiu ao aumento de alguns tons na seriedade da discussão do problema, cujo universo, abrangente, transcende a delimitação geopolítica. O Aedes aegypti também já foi cabo eleitoral, quando, em 2002, o grupo ligado ao partido que hoje está no poder, e até aqui inoculado de impotência diante da nova investida do vírus, levou a epidemia de então aos palanques, como arma eleitoral contra o tucano José Serra.

Diante dos pífios resultados obtidos até agora no combate à dengue, a constatação é tão previsível quanto o advento do novo ciclo epidêmico: as causas e as conseqüências da dengue não se combatem com tergiversações, mas com profilaxia, campanhas educativas, uma política de responsabilidade social que evoque também a participação da sociedade e a integração da União com estados e municípios.

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