Entrevista:O Estado inteligente

sábado, outubro 20, 2007

Memória Paulo Autran

O ator que inventou o palco

Rui Mendes
Autran, na coxia: só ele duvidaria de que foi o maior

Pergunte-se a qualquer ator qual o sentimento mais marcante em sua carreira, e a resposta será sempre a mesma: o medo da rejeição – em testes para papéis, por parte do público, vinda dos pares. Seria possível imaginar que, com seis décadas de uma carreira brilhante no teatro, durante a qual atuou ocasionalmente também no cinema e na televisão, Paulo Autran estaria indiferente a esse fantasma. "O temor não diminui. Na verdade, fica maior a cada vez", disse, já sexagenário, às vésperas de uma estréia. Morto no último dia 12, aos 85 anos, de um câncer de pulmão, Autran atravessou todos os modismos do teatro nesses sessenta anos e sobreviveu não apenas a eles, como também às mudanças de sua principal ferramenta – seu físico. Começou jovem e belo, depois de abandonar a advocacia, em peças como Um Deus Dormiu Lá em Casa – sua estréia profissional, em 1949. Foi incomparável na meia-idade (na qual fez seu filme mais célebre, Terra em Transe, de Glauber Rocha) e expôs-se frágil, mas sempre atilado, na velhice. Tanta longevidade não decorreu só da versatilidade, que lhe permitia atacar de comédias ligeiras a Pirandello e Shakespeare sem desafinar, ou da disposição e da saúde – a qual só no último ano lhe faltou de fato. Autran renovou a si mesmo e ao teatro sobretudo por causa desse temor tão salutar que, aliado à sua vontade pelo que fazia, o manteve lúcido e inquieto. De acordo com os colegas, Autran era o padrão-ouro. Para o público de teatro, era a única recomendação necessária para que se decidisse comprar um ingresso. Nas poucas novelas que fez, magnetizou espectadores que nunca o haviam visto no palco ou numa tela. Teria sido, enfim, uma unanimidade, não houvesse uma pessoa sempre pronta a discordar de sua presumível infalibilidade – ele próprio.

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