Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, outubro 02, 2007

Luiz Garcia - Os cúmplices de Ademir




O Globo
2/10/2007

Ademir Oliveira do Rosário é louco; quem o conhece, sempre soube disso. Não se trata de loucura amena: ele estupra e mata meninos. O que também não era segredo.

Ademir teve até agora um cúmplice poderoso, o Estado, que o incluiu num programa de "desinternação progressiva" em São Paulo.

Esse tipo de tratamento depende de avaliação severa, qualificada, permanente. Exige, primeiro, estruturas e recursos para a constatação confiável da recuperação social do condenado. Depois, é preciso acompanhamento sistemático dos ex-presidiários na volta às ruas, para ajudá-los a se adaptar ou levá-los de volta à cela. Especialmente no caso de doentes mentais. Nada disso existe.

Antigamente, falava-se muito de o risco de penitenciárias serem fábricas de criminosos. Continuam sendo. E o pior é que os produtos dessa maldita indústria não demoram para chegar às ruas: a grande maioria dos condenados cumpre a ridícula fração de um sexto de suas penas.

Parece existir consenso entre os responsáveis no sentido de que sem a porta giratória o sistema não teria vagas para todos os condenados. Na verdade, já não tem: há perto de 420 mil pessoas cumprindo pena no país, e o déficit estimado oficialmente é de 200 mil vagas. É triste - mas não adianta fingir que devolver às ruas, sistematicamente, levas e levas de bandidos profissionais é algum tipo de solução para o problema.

Seja como for, o caso de Ademir tinha de ser tratado como exceção. Ele não vende drogas nem mata favelados anônimos ou policiais honestos: simplesmente, invariavelmente, estupra e mata meninos. Até agora, são 21 - os dois últimos, depois de iniciada a fase da "desinternação". Ademir ganhou o privilégio de passar fins de semana em casa, apesar de dois laudos médicos, em 2005 e 2006, afirmarem que não poderia ser libertado em circunstância alguma.

O hospital onde Ademir descansa nos dias úteis é dado como inteiramente inadequado pelo Conselho Regional de Medicina de São Paulo. E dois laudos médicos seguidos afirmaram a necessidade de mantê-lo em regime fechado. Nada disso impediu a juíza Regiane dos Santos de mandar libertá-lo nos fins de semana. Ele aproveitou para continuar violentando e matando meninos - como era óbvio que faria.

O que pode acontecer agora? Punição para a juíza? Descredenciamento do hospital condenado pelos próprios médicos paulistas? Possivelmente - mas muito pouco se o episódio não provocar uma ofensiva séria, em todas as frentes, contra a porta giratória nas penitenciárias brasileiras.

Arquivo do blog