Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, outubro 12, 2007

Herbie Hancock homenageia Joni Mitchell

Misturas heréticas

Herbie Hancock não quer o jazz puro. Ele o
quer cruzado com rock, rap, pop e eletrônica


Sérgio Martins

Lucy Nicholson/Reuters
Hancock com Christina Aguilera: eclético até demais

VEJA TAMBÉM
Da internet
Seleção de músicas

O jazz é um tipo de música do qual já não cabe esperar revoluções. Depois que instrumentistas como Ornette Coleman e Don Cherry levaram suas improvisações à fronteira da cacofonia, no "free jazz" dos anos 60, só restava ao gênero voltar a formas mais contidas de criação – ou então dissolver-se. Assim, entre os músicos que atingiram seu ápice nas últimas décadas, predominam duas mentalidades. Uma delas é simbolizada por Wynton Marsalis, um guardião da tradição. O ícone oposto é Herbie Hancock, pianista de 67 anos que mantém aceso o desejo de inovação (ainda que essa palavra não possa ser interpretada de maneira radical). Hancock, que conhece a linguagem do jazz tão bem quanto Marsalis, procura atualizá-la por meio de combinações "heréticas" com o rap, o rock ou a música eletrônica. Seu novo disco, River: The Joni Letters, chega nesta semana ao Brasil. No CD, ele interpreta oito composições da cantora canadense Joni Mitchell, que marcou os anos 60 e 70 com seu pop refinado e confessional. Hancock vem acompanhado de um time excelente – que inclui o saxofonista Wayne Shorter, o baixista Dave Holland e as cantoras Norah Jones, Tina Turner e Luciana Souza.

Hancock começou sua carreira como intérprete erudito. Tinha 11 anos de idade quando venceu um concurso em Chicago, sua cidade natal, e tocou o primeiro movimento de um Concerto para Piano, de Mozart, com a Sinfônica de Chicago. Mas três anos depois ele trocou as partituras da música clássica pelos improvisos do jazz. "Vi um garoto da minha idade arrasando no piano e pensei: 'Quero brincar disso'", disse Hancock em entrevista a VEJA. Em 1963, o trompetista Miles Davis o convidou para integrar sua banda. Trabalhar com um dos artistas mais originais do jazz foi crucial para Hancock. "Eu só ouvia jazz. Certo dia, fui à casa de Miles e encontrei vários discos de rock. Ele me disse que era cool estar aberto para outros estilos", conta. Na banda do trompetista, Hancock participou das primeiras fusões de jazz e rock, presentes em discos como Miles in the Sky e Filles de Kilimanjaro. Sua carreira-solo nesse período também rendeu grandes colaborações. Uma das mais famosas se deu em 1966, quando criou a trilha de Blow Up – Depois Daquele Beijo, do cineasta italiano Michelangelo Antonioni. Ela trazia ruídos e música incidental que ajudava a criar o clima de suspense presente na trama.

Entre os discos recentes de Hancock, River é um dos mais bem resolvidos, mas não um dos mais surpreendentes. Confirma a tendência entre jazzistas americanos: fazer incursões pelo cancioneiro das décadas de 60 e 70 (além de Joni Mitchell, artistas como Paul Simon são bastante regravados no momento). Em Possibilities, seu álbum anterior, ele pôs a cantora pop Christina Aguilera para interpretar jazz – isso sim uma surpresa. "Se você ouvir os discos dela sem preconceito, perceberá que existe uma bela intérprete por trás de toda aquela produção", afirma ele. As misturas de Hancock às vezes desandam. Mas sua taxa de acerto é muito boa.

Arquivo do blog